DIÁRIO DE MOCHILA – Voltando ao Ceará e refletindo sobre a vida

Buenas! Na última semana falei de minhas caminhadas pelo sertão e serras da Paraíba. Nessa semana, sigo meu caminho saindo desse estado que tanto me mudou e voltando ao Ceará. Boa leitura!

FOTO – Pipe com o amigo Doda, que lhe acolheu em crato (e); Pipe na rede com o rottweiler Apolo (d)
28 de janeiro de 2023

Obrigado, Paraíba

 

Vieirópolis foi minha última parada no sertão paraibano, estado que cruzei de ponta a ponta em algumas memoráveis semanas. A Paraíba como um todo me mostrou um altíssimo nível de verdades sobre o que eu estava fazendo e o que eu queria fazer da minha vida. Começou em João Pessoa e se estendeu até o alto sertão. Foi esse estado quem me disse que meu ciclo estava se fechando e que um novo se iniciaria. Qual seria esse novo, eu ainda não sabia. E essa angústia e confusão pela instabilidade sobre nosso futuro nos deixa estranhos. Enquanto não sabemos o próximo passo, vamos vivendo o anterior da forma que da. Mas um fato já era muito claro para mim. Eu não me sentia mais tão bem nos meus momentos de solidão. Não os que eu estava realmente isolado, como quando relatei nas últimas edições das vezes que dormi sozinho em cima de serras pelo sertão. Essa é a solidão boa. Quando se consegue se conectar consigo mesmo e com o universo, e se ouvir se for necessário. A solidão que me afetava era a de estar em meio a outras pessoas, mas estando sozinho. Sentir que não pertencia de fato a nenhuma família ou grupo de amigos. Isso pesava cada vez mais em mim e eu já admitia para mim mesmo que em breve isso acabaria. Era questão de tempo até eu entender mais detalhes sobre o próximo ciclo de minha vida. Aquele, que eu vivi nos últimos anos, já estava pronto para ser fechado. E visto essa busca por estar cada vez menos solitário, fui a uma já conhecida cidade para rever amigos e ter esse apoio emocional. Voltei ao sertão cearense do Cariri.

 

Voltando ao Crato

 

Conto nos dedos de uma mão as cidades que retornei pelo menos uma vez nesses meus últimos 3 anos de estrada. Nunca foi usual, pois eu gostava do novo. Por muito tempo o novo me movia e eu nunca me deixei acomodar. Mas o meu contexto psicológico e emocional era outro, então, retornei à tão querida cidade do Crato, no Ceará. Essa época que estou relatando foi pelo início de setembro do ano que já passou. Minha primeira passagem por lá havia sido em maio. Naquela oportunidade, os cerca de 15 dias pelo Cariri foram na casa/bar de hoje um dos grandes amigos que a estrada me deu, o Doda. E foi exatamente para lá que voltei. Após passar o dia inteiro na estrada entre uma carona e outra, cheguei ainda pela noite. Já era final de semana, então o bar estava funcionando. E era dia de reggae, que eu amo. Foi como chegar em casa. Rever o Doda, sua mãe que me tratava como um filho e seus amigos (que se tornaram um pouco meus por tabela) foi extremamente confortante para mim. Me senti aliviado. Como eu nunca tinha pressa de nada, decidi que ficaria lá até eu sentir que deveria sair. Sem me cobrar. Aproveitar esse bom momento para descansar minha alma e tentar entender mais o meu futuro. No fim, essa minha segunda passagem pelo Crato durou 10 dias. Foi um período em que pude aproveitar um pouco essas amizades e refletir mais. Um novo integrante da família de Doda havia surgido nesse rio tempo. O Apolo. Um rottweiler (cachorro) ainda filhote. Mas já com tamanho de adulto. E completamente sem noção do potencial de sua força. Suas brincadeiras quebravam coisas com facilidade. Um dia, numa rápida mordida enquanto brincávamos, fez um belo rasgão na capa de minha barraca. Uma lembrança para levar comigo. E o Apolo foi uma grande companhia para mim. Em alguns momentos durante o dia, quando meu amigo saia para comprar coisas na cidade, ficávamos nos dois por lá. Um fazendo companhia para o outro. E essa interação com ele me fez lembrar como é bom ter uma casa e um cachorro. Uma coisa extremamente simples, mas que no meu atual contexto era inviável. Era mais um sintoma que eu tinha de que talvez a opção de me fixar num lugar fazia parte desse meu novo ciclo. O Apolo foi só um deles. Ver os amigos que fiz por lá interagindo entre eles como verdadeiros amigos, ver a relação de Doda com sua mãe e filhos, além de poder ter a paz da estabilidade de saber que, quando acordar, tu vai ter tudo que precisa no mesmo lugar. Tudo isso me conduzia cada vez mais para essas hipóteses de que a estrada poderia estar acabando para mim. Talvez por um tempo, talvez para sempre. Mas os sinais do meu novo ciclo ficavam cada dia mais nítidos. Tudo indicava que eu ia parar. Algo que eu já sentia no meu eu mais profundo, mas tinha dificuldade de admitir. Aquela dificuldade de aceitar o fechamento de um ciclo. Mas quando se aceita e começa a se entender o próximo, tudo fica mais leve. É uma sensação de conforto muito grande. E dentro dessas minhas descobertas, nada fazia mais sentido para mim do que fazer essa parada em minha terra. Afinal, minha família e amigos estavam por lá. O conforto e estabilidade que minha alma buscava já estavam prontos. Era início de setembro e eu já havia combinado comigo mesmo que iria para o sul rever todos em novembro, após a época mais caótica de eleições presidenciais no país. E essa minha ida até lá decidiria muita coisa. Eu precisava chegar em casa e sentir. Deixar minha intuição me dizer se aquele era realmente meu próximo ciclo. Voltar para casa, para perto das pessoas que mais amo. Eu ainda tinha uns 2 meses pela frente. Então, decidi aproveitá-lo o máximo possível, ainda no ritmo do meu velho ciclo, pois sabia que isso iria acabar. Pelo menos por um tempo.

FOTO – Pipe com a amiga Nay, no Crato (CE)

Ajuste de rota

 

Um dia antes de partir do Crato, após os 10 dias que fiquei por lá, decidi fazer uma mudança grande de rota. Minha ideia inicial seria ir em direção ao Piauí. Conhecer a capital Teresina e depois seguir pelo interior do Maranhão. Mas alguns sinais que recebi no Cariri, me fizeram levantar a hipótese de seguir para o litoral cearense. Por alguns dias fiquei em dúvida, pois o litoral do nordeste, no que eu havia visto durante o ano, me mostrou não ter muita afeição com o que busco. Turismo predatório, povo desconfiado, alta criminalidade e consumo de drogas, e por aí vai. Mas conversando com amigos que o Crato me deu, comecei a sentir que o Ceará poderia ser diferente. Eu já sentia isso no sertão desse estado, e talvez o litoral me confirmasse a mesma tese. Então, um dia antes de pegar a estrada, já com minhas coisas organizadas, resolvi mudar meu rumo e ir em direção ao mar cearense. Minha intuição me disse que minhas últimas semanas antes de reaparecer no sul deveriam ser gastas por lá. E assim me fui em direção a Icapuí, município litorâneo que faz divisa com o Rio Grande do Norte. Meu plano seria cruzar todo a costa do Ceará até chegar em Camocim, cidade que tenho parentescos por parte de mãe. Depois desses 2 meses que teriam pela frente, desceria então para o sul.

 

Eu e os caminhoneiros

 

Meu dia de estrada até Icapuí foi longo. Do Crato, eu estava a quase 500km de distância de lá. Caminho que poderia ser praticamente todo feito pela BR-116, o que facilitaria a logística. Durante o dia, Doda me deu ima carona até uma parte do caminho. Me despedi dele como quando me despeço de um grande amigo. Após, consegui mais umas caronas e cheguei na BR. Já era final da tarde, então decidi encontrar o posto com maior movimentando carretas para achar um canto para dormir e, muito cedo, conseguir meu transporte até a praia. E assim fiz. Caronas em BR com trechos de longa distância, como o que eu estava fazendo, se conseguem na conversa com caminhoneiros. Por isso estar em um posto bem movimentado ajuda. Como praticamente todo meu estilo de vida, não se pode ter vergonha. E estar com uma energia positiva ajuda demais. Afinal, o motorista vai colocar um estranho em seu carro por, nesse caso por exemplo, um dia inteiro de viagem. Os riscos que eles correm são muito grandes. Existe um alto nível de roubo de cargas. Algumas as vezes estão com valor acima de 2 milhões, só a carga. Se colocar junto o valor da carreta como um todo, pode se chegar a algo próximo a 4 milhões. E tem muito grupos criminosos pelo Brasil que vivem desses assaltos. E fingir ser um viajante para pegar uma carona e armar uma emboscada na frente, é uma das estratégias usadas. Ou seja, a conversa sempre é bem delicada. A grande maioria não aceita. Mas sempre tem um que me acolhe. Geralmente quem tem mais sensitividade e vê que sou apenas um viajante mesmo. Foi o caso do também gaúcho e meu xará Felipe, que me levou durante todo o dia até, no final da tarde, me deixar a poucos quilômetros de Icapuí. Minha primeira parada no litoral cearense.

Na próxima semana conto detalhes de minha chegada a mágica Costa do Ceará. Até lá!


Publicado em: Turismo






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