DIÁRIOS DE MOCHILA – Sentindo-se em casa em Torres (RS)

Buenas! Na última edição, finalizei minha grande jornada de volta para casa dentro de um caminhão. Hoje eu conto como foi o reencontro com minha família e um pouco dos meus sentimentos no Rio Grande do Sul.

FOTO – Torre Sul no final de tarde (e); Pipe com a família em Torres (d)
27 de maio de 2023

De volta ao sul e recapitulando

 

Bom, quem me acompanha mais de perto sabe que já fazia alguns meses que eu vivia uma angústia para chegar em casa. Isso porque cada vez mais eu chegava a conclusão de que aquele ciclo de minha grande jornada, que já perdurava a quase 3 anos, estava chegando ao fim e que uma parada maior era necessária. Eram verdades que com o tempo eu tive que aceitar e assimilar. Além disso, eu sentia que precisava ir até o Sul antes de tomar qualquer decisão futura. Ver meus pais, sentir o que eu fosse sentir em minha terra. Essa foi uma angústia que me acompanhou por uns 3 meses, quase que diariamente. Porque eu já sabia que aquele meu estilo de vida não fazia mais sentido. Mas qual seria meu futuro? Como já disse, não queria decidir nada antes dessa volta para casa. Lembro também que algumas semanas antes eu havia feito um voluntariado em um hostel (albergue) em Jericoacoara, no litoral do Ceará, o qual os proprietários me fizeram uma oferta para ser gerente. E ainda aguardavam uma resposta minha. Que como eu havia falado para eles, só viria depois de eu chegar em casa. Enfim, essa chegada ao Rio Grande do Sul, meu estado, após mais de um ano da minha última visita, iria definitivamente ser o responsável por definir meu futuro. E eu estava ansioso por isso.

 

Me sentindo em casa

 

Fiquei entre Torres (cidade que me criei e que meus pais moram) e Porto Alegre nesse meu novo período no sul. Como minha família era prioridade, meu amigo caminhoneiro me deixou em Torres quando chegamos ao Rio Grande do Sul. É a primeira praia do litoral gaúcho (ou última), fazendo fronteira com o estado de Santa Catarina. Uma cidade que julgo ser especial. Primeiro pelo seu tamanho, nem muito grande, nem muito pequena. Segundo pela não presença de criminalidade. Claro que sempre aparecem uns “ladrões de galinha”, como em qualquer lugar. Mas fora isso, o crime em geral é difícil de aparecer por aqui. Sempre me senti tranquilo de caminhar pelas ruas da cidade a qualquer horário e em qualquer lugar. Terceiro, por ser uma cidade organizada e limpa. Feliz ou infelizmente, uma realidade do sul. Digo isso porque a grande maior parte dos municípios mais ao norte do país não contam com essa organização toda. Mas enfim, essa é a minha cidade. E por último, e talvez principalmente, pela sua natureza. Uma natureza única. Eu conheci praticamente todo litoral brasileiro e, mesmo que parecido com a disposição geográfica de Torres, não achei nenhuma localidade. Os morros e falésias à beira mar, as vezes invadindo o oceano. Um tipo de geografia que, pelo menos no Brasil, só se encontra aqui. E ajudando a ilustrar isso, um grande rio que divide os estados; uma pequena ilha (a menor reserva ecológica do Brasil) que abriga lobos e leões marinhos e é detentora de uma das mais poderosas onda do país; uma bela lagoa em meio ao centro da cidade; grandiosas dunas que séculos atrás eram casas de comunidades indígenas; uma grande diversidade de aves marinhas; uma belo nascer e pôr do sol.

Como disse, uma cidade especial. Sei que a maior parte dos leitores são de Torres e essa minha descrição parece redundante, mas tenho alguns leitores de fora e preciso contextualizar isso. Mas sempre é bom dar uma reforçada até mesmo para aquelas que nasceram aqui. A cidade de vocês é muito especial, nunca esqueçam disso. Fala aqui alguém que já andou bastante por esse país. E foi nessa minha volta ao sul que me dei conta (ou relembrei) disso tudo. Ao contrário de um ano antes, em minha primeira vinda durante minha viagem, quando não tive essa mesma percepção. Naquela ocasião, eu estava no auge de minha viagem. Havia saído do centro do país para fazer uma surpresa para minha família e amigos, mas no fundo, queria voltar para a estrada o quanto antes. Dessa última vez não. Meu cenário era outro. Eu já estava me acostumando com a ideia de que parar era uma realidade muito próxima. E isso me fez olhar essa cidade com outros olhos. Não com os olhos de quem só quer ir embora e voltar a ser feliz em outro lugar, mas sim, de alguém que não consegue mais ser feliz em outro lugar e não quer ir embora. Então, apenas olhando para Torres, minha cidade, voltar a morar nela passou a ser uma bela possibilidade para mim.

FOTO – Pipe com amiga Gi na Guarita

 

Família

 

Ao contrário de minha primeira passagem por aqui, após iniciar minha jornada, dessa vez não cheguei de surpresa. Minha família e amigos já estavam sabendo de minha chegada. Logo, a emoção não foi tão grande como de um ano antes, mas foi uma sensação maravilhosa. Muito para mim, mas acredito que mais ainda para os meus pais. Pais são pais. A saudade neles normalmente dói mais. Mas falando apenas do que senti em relação a eles, o mais forte nesse período foi confirmar o que eu já estava sentindo. Que minha presença por lá, mesmo que por um tempo, faria muito bem a eles. Eu saí de casa para seguir vida acadêmica e profissional na capital muito cedo. Eu tinha apenas 16 anos. Desde então, minhas visitas eram apenas periódicas em determinados finais de semana. E ambos não são mais tão jovens, apesar de eu ainda não os achar velhos. Eles mereciam essa minha proximidade, não só por serem meus pais, mas por tudo que fizeram por mim ao longo da vida. E para mim também seria muito bom. Eu tenho uma teoria que todos pais e filhos (não em todos os casos, mas em boa parte) perdem um pouco de sua conexão ao longo da vida. Mais na infância e adolescência. E por diversos motivos que obviamente mudam de caso a caso. Mas é algo natural. Ou que pelo menos foi naturalizado. E essa minha estada no sul me fez também olhar para isso, sem fechar os olhos. E saber que eu poderia tentar, mesmo que timidamente, melhorar essa conexão. Algo que eu sabia que partia muito mais de mim do que deles e que eu poderia investigar mais a fundo. Enfim, de uma forma, geral, pela minha relação com meus pais e as variantes envolvidas, eu senti que ficar um tempo a mais com eles seria muito válido para os dois lados.

 

Veredito Final

 

Principalmente por essas questões que envolveram minha família e minha relação com Torres, durante as semanas que fiquei por lá recebi uma dosagem de paz muito grande. Uma paz que eu precisava já fazia algum tempo. Uma paz de acolhimento. De que eu tinha um lugar e tinha uma família que me amava. O ano (2022) não tinha sido muito fácil para mim, como quem acompanhou em meus relatos viu. Foi um ano de uma grande guerra entre mim e eu mesmo. E aquele novo contexto me confortou. Me fez respirar. E poder entender um pouco mais de meu futuro e tomar decisões. Até porque era momento de tomar uma. Pois em paralelo a essa mescla de sensações que o sul me dava, eu ainda tinha na bagagem o convite para ser gerente do hostel em Jericoacoara. Tudo isso que relato aconteceu em dezembro do ano passado. Os donos do hostel precisavam de alguém para assumir a operação antes do Natal e que ficasse, pelo menos, até o final de janeiro. Um dos períodos mais críticos do ano no que diz respeito a alta ocupação do hostel. Todos meus sentimentos que levavam ao veredito de que eu deveria ficar no sul. Mas ao mesmo tempo, minha intuição também me dizia: “Felipe, vai para o Ceará primeiro e vive essa experiência”. E como já disse por aqui algumas vezes, se tem alguém que respeito é a minha intuição. E não seria agora que eu iria desobedecê-la. Então decidi que iria. Iria, mas voltaria para ter esse período no sul próximo dos meus pais. Não tinha como prever exatamente quando isso aconteceria, mas prometi a eles que em breve eu estava de volta e para ficar um tempo a mais. Eles vibraram muito. E eu também. Consegui depois de alguns anos traçar algum tipo de estratégia mais concreta para o meu futuro. Isso me gerou um alívio muito grande. E eu, apesar de não criar nenhum tipo de expectativa, sentia que essa minha segunda passagem por Jericoacoara seria algo poderoso e que me mudaria. E assim, após ficar cerca de 3 semanas no Sul, me despedi de minha família e voltei para o Ceará. Dessa vez abdiquei do caminhão pois eu tinha um prazo para chegar e seria muito arriscado. E no dia 21 de dezembro, embarquei em um avião rumo ao Ceará para viver essa nova experiência, esse novo ciclo.

Na próxima semana eu começo a relatar sobre minha segunda passagem por Jericoacoara, período que julgo ter sido puramente o mais feliz de minha vida até hoje. Até lá!


Publicado em: Geral






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