O biólogo secretário do Meio Ambiente da cidade do Passo de Torres, em Santa Catarina, Roger Maciel, casualmente foi secretário do Meio Ambiente da cidade de Torres, aqui no RS, nos quatro anos passados (entre 2013 e 2016). A FOLHA, então, optou por conversar com o profissional sobre o impacto da fronteira jurídica na esfera da administração ambiental, salientando diferença entre as duas cidades. É que o Rio Mampituba é um símbolo que pode representar estas diferenças. Ele corre no meio, dividindo o estado do RS e o estado de SC, e corre no meio, fazendo a fronteira entre as duas cidades.
Mais uma vez é necessário salientar, também, que para o cidadão comum, tanto gaúcho (de Torres) quanto catarinense (do Passo), a fronteira é irrisória, separada por uma ponte de 100 metros e com direitos de ir e vir de ambas as partes. Mas mais uma vez a matéria vai mostrar que as leis estaduais e municipais (ou a forma de lidar com elas) pesam na hora de morar, empreender ou administrar uma cidade diferente da outra como estas duas. E pesam na hora de pagar as contas.
Diferentes meios de encarar o tratamento de esgoto
No ano de 2001, o MP federal sentenciou a cidade de Torres para que tivesse 100% de captação de esgoto. E que deste esgoto captado, 100% fosse tratado antes de voltar para o Rio Mampituba. Hoje, a cidade possui quase 70% de captação (pelo menos capacidade para tal) e informa que trata tudo (100%). E ainda caminha para a universalização do saneamento, pois existem processos de implantação de encanamento para possibilitar a captação em locais como a Zona Sul e bairros Getúlio Vargas e Igra. Mas o MP ainda exige os 100%, tudo baseado em demandas de veranistas e moradores, que reclamaram do despejo dos detritos e das ligações clandestinas que poluem o Rio Mampituba, desde a década de 1990… como se o Rio fosse somente à margem de Torres, o que não o é.
No Passo de Torres, o Ministério Público Federal não exigiu isto. Hoje, conforme informações do secretário do Meio Ambiente de lá, Roger Maciel, o MPF exige que sejam feitas as regularizações fundiárias das residências que estão há menos de 100 metros do rio. “O tratamento do esgoto deverá fazer parte da regularização. Aí a cidade e a companhia de agua & esgoto devem ser acionados para suprir esta carência”, afirma Roger.
Isto mostra que é bem mais difícil e burocrático para o morador, o empresário e principalmente para o prefeito, aqui em Torres, o dia a dia na questão das leis e exigências ambientais do que no Passo de Torres, pelo menos na cobrança jurídica.
Município catarinense tem mais autonomia que o gaúcho
O secretario Roger resume seu diagnóstico da diferença entre administrar o meio ambiente no Passo e administrar as mesmas questões em Torres em uma palavra: AUTONOMIA. Para o especialista que trabalhou nas duas cidades, a Fatma – Fundação que gerencia as questões ambientais do estado de SC – dá mais autonomia para as prefeituras trabalharem do que a Fepam (Fundação gaúcha para a proteção ambiental). Um exemplo que o jovem secretário mostra é o da licença para fazer passarelas de acesso à praia, tentada por ele em Torres e também no Passo de Torres. “Aqui no Passo de Torres, em um mês eu consegui licenciar cinco passarelas junto a Fatma. Elas já estão sendo iniciadas e devem estar prontas para o veraneio. Lá em Torres foi mais complicado, burocrático: o certo é que mais uma ali nas dunas da Praia Grande seria uma grande caminhada para resolver um problema que poderia levar anos”, explica o secretário Roger Maciel, que é torrense.
Outra questão que afunila muito em Torres é a necessidade de pedido de licença para mais um órgão, o Parque Itapeva. Ou seja: além do município ter menos autonomia e ser alvo de ações estaduais e federais, também existe a área de amortecimento do Parque Itapeva, que exige que qualquer coisa feita no ambiente natural seja acompanhada por uma aprovação da direção do Parque Estadual de preservação. Ou seja, aumento de burocracia mas por uma razão nobre: a defesa do ambiente natural.
“Dois mundos”: tão próximos, mas também distantes
Para os que gostam da defesa do meio ambiente de forma incondicional (e até meio radical), talvez morar no RS, em Torres, seja mais saudável. Pelo menos, é o que aparenta-se a partir da rigidez das leis e o engessamento de processos que precisam adentrar no meio ambiente. Mas para aqueles que preferem ver sua cidade crescer, fomentar negócios, gerar empregos e caminhar rápido para o crescimento do Turismo, os dados mostram que morar no Passo de Torres é mais fácil, menos burocrático, se compararmos com Torres na área ambiental.
Conforme indica o secretário Roger Maciel, mais de 300 ligações de água e luz novas foram pedidas nos últimos dois meses lá no Passo. Isto indica que muita gente está escolhendo a cidade catarinense para morar ou construir casas por talvez ser menos burocratizada para morar e empreender.
E para os que querem ver o Rio Mampituba menos poluído, agora o foco deveria ser o Passo de Torres. A utilização de fossas sépticas com filtro e sumidouros utilizadas no Passo de Torres poderia ser uma solução requerida para Torres ao invés de uma ação que obriga a cidade a captar e tratar 100% de esgoto? Ou o MP Federal vai exigir do Passo de Torres 100% de captação encanada e 100 % de tratamento ao Passo de Torres, que não possui sequer uma Estação de tratamento? A pergunta fica no ar…. E a fronteira jurídica mais uma vez mostrar suas garras.