ILHA DOS LOBOS: Do potencial turístico ao acolhimento pela identidade torrense

Jornal A FOLHA conversou com Aline Kellermann, chefe da unidade do ICMBio em Torres, sobre plano de manejo, turismo, surf e voluntariado nas escolas envolvendo a Ilha dos Lobos

FOTO: Lobos e leões marinhos na Ilha dos Lobos.
14 de maio de 2018

Cerca de 1,8 km da costa de Torres, em frente a Praia Grande, encontra-se a Ilha dos Lobos – única ilha marítima do Rio Grande do Sul. O local tem esse nome em razão dos pinípedes (lobos e leões marinhos) que lá habitam, animais que chegam do litoral uruguaio e argentino a procura de nossas águas mais quentes, para descanso e alimentação. Ao aportarem no aglomerado de pedras que é a Ilha dos Lobos, cujo perímetro é pouco maior que um campo de futebol,  os pinípedes estão protegidos por lei ambiental.

A Ilha dos Lobos que em 2005 deixou de ser uma Reserva Ecológica e passou a ser um Refúgio de Vida Silvestre, também deixou de ser considerada a menor reserva do Brasil, pois teve sua área ampliada para 142ha incorporando os 500m ao redor da ilha. Este refúgio também protege outras espécies como golfinhos, baleias, toninhas, aves, tartarugas marinhas e peixes.

 

Plano de Manejo da Ilha dos Lobos

 

Na sexta-feira passada (04), o jornal A FOLHA conversou com Aline Kellermann, analista ambiental e gestora da unidade torrense do Instituto Chico Mendes (ICMBio) – instituição que é responsável pela proteção ambiental do Revis Ilha dos Lobos. Conversamos sobre assuntos variados relativos a esta unidade de conservação federal – entre eles o plano de manejo do local, que está sendo elaborado para normatizar os possíveis usos indiretos da ilha – desde que sejam compatíveis com a proteção da sua biodiversidade. “Não conseguimos definir o prazo exato que vai ser finalizado (o plano de manejo), mas o certo é que irá sair, inclusive porque já temos os recursos para realizá-lo”, afirma Aline, lembrando que a Ilha dos Lobos é uma das 11 unidades de conservação federais do Brasil que integra o Projeto Áreas Marinhas e Costeiras Protegidas (GEF-Mar) com destinação de recursos do Banco Mundial – que irá custear o Plano de Manejo e apoiar na implementação da unidade.

A necessidade do Plano de Manejo foi ajuizada em ação civil pública do Ministério Público (MP), que também obrigava o Revis Ilha dos Lobos a ter um conselho gestor. Conforme a gestora do ICMBio de Torres, o conselho consultivo já foi formado e quanto ao plano de manejo, questões burocráticas – bem como a formalização das  contratações  – são o entrave maior para a efetivação do Plano de Manejo.  Mas, superada esta etapa, estima-se que em menos de 2 anos ele seja publicado.

Conselho Consultivo da Revis foi formado em final de 2016 – sendo que tem reuniões ocorrendo desde março de 2017. “Entre titulares e suplentes, são um total de 40 conselheiros de 29 instituições e variados setores da sociedade: governo, turismo, meio ambiente, recursos hídricos, educação, pesca, surf, universidades, ONG ambientais. Estas ocupam as 22 vagas do conselho (sendo que algumas dessas vagas são compartilhadas entre diferentes instituições). Foram realizadas 4 reuniões no ano passado, e outras 4 estão previstas para 2018. O conselho do Revis é bem diverso e qualificado com conselheiros bastante comprometidos, um reflexo disso, é o elevado quorum de participação (acima de 75%) comemora Aline. E os representantes do Conselho Consultivo vem apresentando importantes ideias para serem aplicadas junto a Ilha dos Lobos – em especial levando em conta o potencial que a ilha apresenta ao turismo ambiental.

 

O fomento dos passeios para a Ilha no inverno

 

O ordenamento do turismo de observação embarcado é uma das demandas defendidas pelos conselheiros. “É importante que tenhamos um turismo diferenciado para a Ilha, focado na observação ecológica dos Lobos e Leões Marinhos que utilizam este refúgio protegido. Nos meses do inverno, estes pinípedes se reúnem por lá em grupos que já ultrapassaram os 140 indivíduos, algo memorável de ser observado”, destaca Aline. Entretanto, ela ressalta que atualmente quase não há turismo embarcado para o local nos meses de inverno. No verão, esta modalidade realiza a visita até as proximidades da Ilha através de barcos e reúne bom número de interessados – mas estes turistas não tem a possibilidade de ver o marcante fenômeno dos Lobos e Leões Marinhos por lá reunidos (uma vez que, no verão, estes animais voltam pras águas mais frias do Uruguai e Argentina para a reprodução)

A gestora da Unidade do ICMbio de Torres informou que, recentemente, uma pesquisa foi realizada pela aluna de biologia marinha Marina Vargas, da UERGS, orientada pelo professor Paulo Ott (integrante do Gemars). Nesta pesquisa, foram realizadas entrevistas com mais de 40 usuários dos barcos de turismo. “Constatou-se que a maioria (dos usuários de turismo embarcado até a Ilha dos Lobos) tinha acima de 30 anos, e formação com nível superior. Ainda assim, a maioria não sabia que a Ilha dos Lobos era uma unidade de conservação ambiental, não sabiam que a época que os animais mais ficam por lá é o inverno. Cerca de 80% afirmaram não saber (ou não ter recebido) informações sobre a unidade, o que foi apontado como algo que qualificaria o passeio. Afinal, pensamos que esta visita ao Revis Ilha dos Lobos pode ser mais que um simples passeio de barco, mas uma forma de desenvolver um turismo ecológico sustentável”, analisa Aline.

Os dados recolhidos a partir da citada pesquisa foram um importante balizador para um diagnóstico que, conforme Aline Kellermann, avalia a necessidade de normatizar o turismo de observação embarcado na Ilha conforme preconiza o ICMBio. Estamos construindo isso com um grupo de conselheiros em conjunto com os proprietários dos Barcos Marina  2000 (responsável pelo serviço), para que possamos viabilizar que ocorram mais passeio guiados no inverno – que é o momento com maior presença dos Lobos e Leões Marinhos. Este grupo composto pela Marinha, Secretaria Mun. Turismo, Ongs, universidades e o Parque Estadual de Itapeva, acredita que o passeio pode diferenciar-se ao oferecer ao visitante mais informações sobre a ilha, sobre os animais que utilizam esta área, sobre os lobos e leões marinhos, entre outros. Para a analista ambiental, seria uma oportunidade interessante de fomentar um turismo ecológico na baixa temporada, atraindo para o município um público diferenciado  para observar a fauna silvestre.

Aline Kellermann, analista ambiental e gestora da unidade torrense do Instituto Chico Mendes (ICMBio)

 

Surf, voluntariado e identidade torrense vinculada a Ilha

 

Além dos Lobos e Leões Marinhos, há outra famosa (e inconstante) moradora da Ilha dos Lobos: a onda. Trata-se de uma das maiores e mais poderosas ondas do país. Mas atualmente – enquanto vêm sendo desenvolvido o Plano de Manejo – é proibida a prática do surf na Ilha dos Lobos. “Criamos dentro do conselho uma câmara temática ambiental para discutir e ordenar a regulamentação de atividades, incluindo aí o surf de ondas grandes, a possibilidade de realização de alguns campeonatos pontuais”, ponderou a gestora do ICMBio, que continua: “O assunto surf segue em análise, sendo acompanhado pela AST (Associação dos Surfistas de Torres) – integrante do conselho consultivo. O debate vem sendo sobre  os meios de monitorar e garantir que as ações humanas (dos surfistas) não venham causar impacto nos lobos e leões marinhos”.

Em nossa conversa, Aline ainda destacou um interessante projeto, realizado pela unidade ICMBio em escolas de Torres, que vem vinculando em estudantes da cidade uma noção de pertencimento da Revis Ilha dos Lobos e sua fauna. Trata-se de uma capacitação para que estudantes torrenses saibam melhor o que é uma unidade de conservação, bem como as características dos pinípedes daqui e o comportamento dos animais. “O trabalho destes alunos voluntários seria orientar aos eventuais observadores quando aparece um lobo ou leão marinho na beira da praia – cena comum nos meses do inverno. Dicas como: deixar o animal em paz se não houver lesão evidente (porque ele estaria na praia apenas descansando), orientar a não alimentar os pinípedes, não se aproximar muito e afastar cães – ou seja, respeitar o espaço destes animais. A comunidade local, assim, ajudaria a suprir uma demanda, auxiliando no monitoramento dos lobos e leões marinhos da Ilha”, explica Aline, ressaltando que ano passado o projeto foi realizado junto aos alunos do ensino médio da Escola São Domingos, sendo que em 2018 a expectativa é que estenda-se aos secundaristas das escolas estaduais. “E como estes alunos vão ser capacitados, eles irão virar também professores: vão desenvolver atividades de educação ambiental para as séries iniciais, replicando assim o conhecimento aprendido.

Concluindo, Aline Kellermann, fala que mesmo morando há cerca de 3 anos em Torres, ainda estranha não ver os lobos e leões marinhos integrados à cultura torrense. Ainda há pouca relação de pertencimento e identidade com a Ilha dos Lobos na cidade. Nem o artesanato, nem o poder público ou mesmo as marcas locais apropriam-se o suficiente deste patrimônio natural que temos há menos de dois quilômetros de nossa costa. “Considerando que Torres é o único local natural protegido que recebe agrupamentos destes animais no Brasil e considerando o perfil da cidade voltada ao turismo, penso que seria uma boa estratégia incentivar essa identidade como parte dos símbolos locais, assim como o município já o faz, muito bem, com os balões. Talvez ter o Leão Marinho como algum mascote,  poderia, inclusive, fomentar um turismo sustentável em Torres em plena baixa temporada (afinal, os leões e lobos marinhos habitam a ilha às centenas no inverno)”, finalizou a gestora da unidade torrense do ICMBio.

 

 


Publicado em: Meio Ambiente






Veja Também





Links Patrocinados