Em pequena escala e com baixo investimento, agricultores do Núcleo Litoral Solidário da Rede Ecovida de Agroecologia estão produzindo soja e arroz sem agrotóxicos. A colheita neste mês mostrou resultados animadores em cultivos economicamente importantes do Rio Grande do Sul, mas que há tempos geram polêmicas por conta dos impactos ambientais.
“Fizemos o primeiro plantio esse ano, em meio hectare, como experiência, e o resultado está sendo ótimo para quem nunca tinha se arriscado em tal cultura”, avalia Alexandre Silveira Ramos, do Sítio Arvoredo, em Santo Antônio da Patrulha. Na terceira semana de abril, o integrante do grupo Agrisap, com a esposa Rosilene Reuter e o filho Arthur, de 21 anos, concluiu a colheita de 800 quilos de soja orgânica, que vai suplementar a alimentação de 500 galinhas livres. Alexandre conta que não fez nenhuma aplicação de inseticida natural, somente de biofertilizante foliar supermagro e uma adubação de solo com 1,5 mil quilos de cama de aviário, das galinhas que agora vão consumir o produto.
Também do grupo Agrisap, João Batista Reis dos Santos se animou a plantar arroz Agulhinha em três dos dez hectares de sua propriedade na localidade de Catanduvinhas e esperava colher até 120 sacas de 50 quilos cada, por hectare. “Comecei a plantar o orgânico por causa do certificado da Ecovida. Estiveram lá (o comitê de verificação de conformidade orgânica do Núcleo) e viram que a área seria boa para plantar” recorda o agricultor.
Como a terra é limpa e nunca foi plantada, João Batista usa só adubação e água: “não preciso usar mais nada”. A comercialização é direta aos consumidores da feirinha da Agrisap no Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Santo Antônio da Patrulha e para a merenda escolar através do Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae). Na feirinha vende a R$ 4 reais o quilo do arroz branco e R$ 4,50 do integral.
Em Caraá, município vizinho a Santo Antônio da Patrulha, Simone Zani Beatricci e Anderson Moises Rubas Girotto, do grupo Sal da Terra, cultivam, em menos de meio hectare, as variedades Periquito, Argentino e da Casca marrom. “Temos uma previsão de ter colhido 400 quilos, entre as três qualidades!” As vendas do arroz Periquito, a R$ 8 reais o quilo, começaram na terceira semana de abril. A família vende o arroz produzido de forma agroecológica direto ao consumidor, para Porto Alegre, via Whatsapp.
Estado é o segundo maior produtor de soja do País
Segundo dados do Censo Agropecuário do IBGE, o RS é o segundo maior produtor de soja do Brasil e o maior produtor de arroz. No Litoral Norte, há propriedades com rizicultura nos municípios de Mampituba, Maquiné, Morrinhos do Sul, Osório, Terra de Areia e Torres, mas Santo Antônio lidera, com 99.152,800 quilos por ano.
Já a soja é pouco cultivada na região. Somente Osório e Santo Antônio da Patrulha têm unidades produtoras e em pouca quantidade: 3.974,655 quilos. No caso de Alexandre, Rosilene e Arthur, a motivação veio da necessidade de alimentar os animais livres. Para o próximo ano e expectativa um pouco a área e fazer alguns ajustes na hora da colheita e secagem do grão.
Cultivo orgânico é viável, avalia o agricultor
Questionado sobre o conflito entre a produção de soja convencional e cultivos de uva, maçã e oliveiras*, em outras regiões do Estado, Alexandre afirma que a deriva dos venenos vem de aplicações muitas vezes desnecessárias, que poluem o ambiente e a alimentação. “É possível produzir com sistema orgânico. Quando se quer se faz. A gente ficou contente até pelo custo baixíssimo da implantação e eu creio que na próxima vai ser bem melhor se tudo ajudar vai superar as expectativas”.
O agricultor admite que não pode comparar uma área pequena com monocultivos de milhares de hectares, onde, conforme o agrônomo Leonardo Melgarejo, acumulam-se os problemas de pragas e doenças e o gerenciamento dos problemas tende a ser simplificado e decisões pela média e não tratamentos a necessidades pontuais das lavouras. “Veja: jogar inseticida de avião, se faz isso antes dos insetos estarem em toda a lavoura. Portanto, se joga veneno em locais onde não existem insetos. Já nas áreas menores os agricultores podem identificar o foco e fazer tratamento curativo antes do problema crescer e jamais em toda área”.
Para Melgarejo, a resposta ao aumento do uso de venenos no Brasil está na reforma agrária. “De outro lado, a agroecologia permite produzir sem veneno, em grandes áreas repartidas e intercaladas por outras culturas, gerando mosaicos. Em grandes áreas, mas não em mega, grande, super exacerbadas áreas, porque a natureza rejeita isso. Podemos produzir em todo planeta, sem venenos.”
*Informações da matéria ‘Laudos confirmam danos milionários em parreirais e pomares causados por agrotóxico usado na soja’, publicada no site Gaúcha ZH em 14 de dezembro de 2018.