No caminho para mais uma incrível AVENTURA DE BIKE PELA AMÉRICA

28 de fevereiro de 2017

Entre 2011 e 2012, Marta, Julian e o cão Yogur (foto) viajaram de bike pelo oeste da América do Sul. E agora, o casal esta novamente na estrada para uma grande aventura: pedalar até a América Central.  

Por Guile Rocha

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Nestes primeiros meses de 2017, um casal de microempresários da Argentina está realizando uma longa viagem pela América do Sul e Central. Até ai tudo bem, mas o que diferencia essa aventura é o meio de transporte do casal: a bicicleta.

A portenha (natural de Buenos Aires) Marta Elena Sanches tem 36 anos e é formada em biologia. Seu companheiro Julian Guelfi é natural de Lanus, e tem 40 anos. No dia 03 de janeiro, eles saí­ram de sua casa – na região metropolitana da capital argentina – rumo a uma audaciosa viagem, que ocorrerá por quase todo litoral brasileiro e tem a América Central como meta de destino final. í‰ a segunda vez que eles se aventuram de bicicleta pelo nosso continente: a primeira havia acontecido entre 2011 e 2012 pela costa do Pací­fico, durou cerca de 18 meses e encerrou-se na Venezuela caribenha.

Já neste começo de 2017, após uma jornada de cerca de 1100 quilí´metros pedalando por caminhos pelo interior, cruzando   fronteiras paraguaias, uruguaias e brasileiras, o casal chegou no litoral gaúcho no dia 10 de fevereiro. E a passagem por nossas terras não foi simples coincidência: Marta passou boa parte de sua infância em Torres. “Desde os 5 anos vinha de férias para cá e, quando tinha 9 anos, vim morar aqui com minha famí­lia e fiquei até os 18 anos. Torres é um pedaço importante da minha vida, minha segunda casa”, indicou ela ao jornal A FOLHA no último dia 15 de fevereiro, quando o casal visitou nossa redação.

‘Modus operandi’ da viagem

O casal nos contou que se conheceu em 2010 via Facebook, por causa do interesse   que ambos tinham por empreender uma viagem pelo continente. “Minha intenção era conhecer bastante da América do Sul de bike. Ele (Julian) também tinha a mesma ideia, só que queria sair de mochila, pedindo caronas. No final das contas, decidimos que a bicicleta seria o meio de transporte”, explica Marta. E a amizade logo virou romance, bem como parceria para uma aventura única. Durante o ano e meio que passaram viajando em sua primeira viagem, pedalaram cerca de 8500 quilí´metros e percorreram outros 2000 quilí´metros por outros meios (como caronas, balsas e í´nibus).

Quando saí­ram da Argentina em 2011 para pedalar pela América do Sul, Marta e Julian tinham muita força de vontade de conhecer novos lugares – mas pouca experiência. Acoplavam na bike tudo que tinham: suas roupas, barraca, comida e itens da viagem. “Nosso equipamento não era muito bom, nossas bicicletas não eram as mais adequadas, carregamos coisas demais. Na verdade, com o tempo fomos percebendo que não estávamos muito preparados,mas também fomos aprendendo. E andar de bicicleta tem uma boa energia, nos encontramos com pessoas parecidas conosco, com o objetivo de conhecer o continente, que também nos ajudaram no caminho”, ressaltou Julian.

E há ainda outro detalhe importante sobre esta primeira expedição de bicicleta do casal viajante: eles saí­ram de casa acompanhados pelo fiel companheiro canino, Yogur, um   vira-latas que logo se tornou atração: “Tí­nhamos um carrinho especial para levar o equipamento, que no caso foi transformado num lugar pra levar o Yogur. As vezes ele nos acompanhava correndo também.   E chamava a atenção do pessoal que acompanhava nossa trip o fato de estarmos viajando de bike com um cachorro. Ele foi um grande parceiro”, disse Marta.

E lá se foram Marta, Julian e Yogur se aventurar pelos caminhos do oeste sul americano, próximos a costa do oceano Pací­fico. Acordavam cedo e, em geral, pedalavam   entre 5 e 8 horas por dia – dependendo das condiçíµes climáticas e geográficas do local onde estavam. Dores musculares e cansaço eram companheiros próximos.   Nos dias de calor, evitavam pedalar perto do meio dia. De noite, só pedalavam em situaçíµes onde fosse extremamente necessário.   Como estavam percorrendo a montanhosa região dos Andes, era natural que boa parte de sua viagem envolvesse longas subidas e descidas com suas bikes, conforme relatou Julian. ” A chuva não incomoda tanto. Mas o vento contra é terrí­vel, algo que pode realmente desmotivar. Se for numa subida então, pior ainda”.

Para dormir, o casal (acompanhado do cachorro Yogur)  não fazia muitas exigências: quando preciso, escolhiam um lugar agradável no meio do caminho e instalava sua barraca. Mas também costumavam aproveitar a estrutura dos postos de gasolina que passavam para acampar e tomar um banho.Também contaram com a solidariedade de muitos latino-americanos no caminho, pessoas que abriam suas casas para receber o casal de argentinos e seu companheiro canino, dividindo histórias e hospitalidade.

Cicloturismo e experiências únicas

Julian e Yogur, em momento que viajantes cruzaram a fronteira do Equador

Argentina, Bolí­via, Peru, Equador, Colí´mbia e Venezuela. Estes foram os paí­ses visitados por Marta e Julian durante seus 18 meses de uma singular aventura a bordo de suas bicicleta, entre os anos de 2011 e 2012. Foi um perí­odo em que o casal   passou por experiências únicas que, segundo eles, tinham um valor ainda mais especial por conta de todo esforço de percorrer estes objetivos pedalando. Um cicloturismo extremo e inspirador.

Segundo analisaram Marta e Julian, foram diversas paisagens, momentos, experiências e encontros marcantes durante a viagem pelo oeste da América do Sul. E apesar deles terem um pré-roteiro dos locais que desejavam visitar, muito de suas pedaladas tinha um ar de desbravamento. “Nós gostamos mais de chegar num lugar e ir descobrindo os segredos locais. Aprendemos muito de geografia e história mesmo sem querer. As vezes, pra saber onde tem montanhas, rios, etc – muitos detalhes que vamos aprendemos apenas porque passamos pelos locais. Na Venezuela, por exemplo, estávamos numa casa de amigos, fazendo um jogo de perguntas e respostas sobre lugares. E pelas nossa experiência,   acabávamos sabendo mais que as pessoas de lá sobre o próprio paí­s”.

Em meio a paisagens verdejantes, desérticas, costeiras ou urbanas, alguns locais ficaram gravados com mais força na memória. Marta disse que gostou muito da paisagem do Norte da Argentina. “í‰ uma região muito seca com a cordilheira no fundo, as cores incrí­veis. Forma uma paisagem única e inesperada para mim”. Já Julian relembra com carinho da passagem pelo Vale Sagrado, no Peru. “Era o caminho que faziam os í­ndios antigos para chegar até Machu Pichu. Senti muito a cultura, o ambiente e a sabedoria local. Sentia uma felicidade por estar num lugar tão incrí­vel, e era melhor ainda por chegar lá com a própria força do meu esforço, pedalando”. Outro momento marcante ocorreu quando o casal conheceu o presidente do Equador, Rafael Correa. “Estávamos fazendo um ano de viagem (em 2012). Fomos na praça de Quito e ele estava fazendo um pronunciamento para o povo. E quando ele desceu, passou por nós e nos cumprimentou. Como ele também é ciclista, se preocupou com onde irí­amos ficar e tal. Ele foi atencioso, foi um encontro interessante”, contou Marta.

Quando questionados sobre possí­veis a exposição a casos de   falta de segurança em sua primeira viagem pela America Latina,   o casal afirma que nada do tipo ocorreu. A presença do cão Yogur também era um alento para a questão da segurança. E eles pensam que, se tivessem medo de seguir o caminho, teriam desistido muito antes dos 15 meses   da viagem. “Quando estivemos em uma espécie de favela na cidade de Palmira (Colí´mbia), a polí­cia nos escoltou até o lugar em que ficarí­amos, por ser considerado um local perigoso, mas lá fomos bem recebidos. Chegamos a dormir na rua algumas vezes por falta de dinheiro, mas não fomos hostilizados. Pelo contrário, no geral as pessoas com quem cruzávamos os caminhos eram muito solí­citas, abriam as casas, hospitalidade absoluta. As vezes, em povoados pequenos, éramos como uma atração,um assunto”, disseram.

Dificuldades,trabalho, luto e retorno

 

Marta e Yogur no Peru, em 2012

Mas engana-se quem pensa que esta aventura não teve muitas dificuldades. Sem muita experiência nem planejamento financeiro adequado, em poucos meses o dinheiro levado para a viagem   pelo casal logo acabou. E a única saí­da para que a aventura continuasse era trabalhar. “Tivemos vários trabalhos para nos bancar: começamos a fazer brincos, artesanato para vender. Em outras oportunidades, Julian descarregava  verduras. Mas não fomos buscando trabalho em qualquer lugar: se gostássemos de onde estávamos, ficávamos mais tempo. Foi como aconteceu em Copacabana (na Bolí­via), onde gostamos tanto que ficamos cerca de um ano. Em Cartagena estivemos 2 meses no centro histórico, e é muito caro lá, então trabalhamos em hotel, manutenção, carpintaria”, explicam Julian e Marta.

Além disso, tiveram que enfrentar enfermidades no caminho: Julian, por exemplo, contraiu dengue quando o casal estava entre o Peru e o Equador, e por isso teve de ficar 15 dias de cama, em recuperação. E tempos depois, quando o casal estava em Cartagena (na Colí´mbia), sofreram com a desidratação e passaram mal, tendo de ficar mais alguns dias de cama. Nos hospitais que passaram, foram bem atendidos.

Apesar das dificuldades   causadas pelas enfermidades e falta de dinheiro, o pior momento da viagem ocorreu no Equador, um dia após completarem o primeiro ano de sua viagem:   foi quando Yogur, o parceiro canino, acabou falecendo. “Estávamos ficando numa casa grande em Quito (no Equador), recebidos por uma famí­lia que tinha muitos cachorros. No pátio, tinha uma árvore de abacate, e como os cachorros comiam a fruta o Yogur fez o mesmo. Mas ele comeu tanto abacate que seu estomago virou. Quando acordamos, percebemos que ele tinha falecido”, recorda Marta, que diz que foi como perder um do grupo. “A viagem mudou muito depois. Apesar de termos mais facilidade em nos locomover e na escolha dos lugares onde í­amos, foi bem triste”.

A baixa abalou a motivação do casal, mas eles não desistiram. Seguiram pedalando e levaram sua aventura por mais 6 meses. E foi após estarem já há algum tempo na Venezuela que decidiram que era hora de voltar para casa: avisaram a famí­lia, organizaram seus pertences e as coisas para a volta. Pegaram um avião e retornaram para Buenos Aires – com uma grande mala de memórias guardadas nopensamento.

2017, NOVA AVENTURA:

Ideia é pedalar até a América Central

 

Marta em 2017: Casal começou sua segunda trip cruzando o interior do Uruguai

Em 2012 o casal viajante encerrou sua aventura pelo oeste da Ameérca do Sul e retornaram para a Argentina. Próximo a capital Buenos Aires, decidiram se estabelecer por um tempo. Como uma forma de retribuir as pessoas que lhes receberam em sua viagem de bike pela América Latina, o casal também abriu as portas de sua casa, em Lanus,  para que os viajantes que passassem tivessem pouso. E ainda montaram um negócio que tinha tudo a ver com a experiência que eles haviam experimentado. “Carregamos muita coisa na viagem, e sentimos a dificuldade com isso. Quando voltamos, percebemos que não haviam alforjes (espécie de bolsa de viagem) a venda na Argentina, e decidimos começar a fazê-los. Acabou sendo uma boa experiência, a empresa vingou e ficamos 4 anos trabalhando com isso. E as pessoas ficavam felizes de encontrar um produto que antes não tinham”.

Mas não teve jeito… o tempo passou e o ví­rus do viajante voltou a consumir Marta e Julian, que decidiram que era hora de partir para uma nova aventura. E após um planejamento mais maduro, organizaram as coisas para pedalar até a América Central, passando pelo litoral brasileiro. Para essa jornada ciclí­stica, eles montaram bicicletas novas com quadro de ferro (que, apesar de mais pesadas, são resistentes e podem ser consertadas por qualquer soldador, caso quebrem), guidão   borboleta (para o conforto de quem passa horas pedalando) e um banco confortável também. O dinheiro de partida não foi muito: saí­ram os dois com 2 mil dólares no total, sendo que, ainda no começo da viagem – com pouco mais de 1000 quilí´metros pedalados até Torres – quase metade disso já foi gasto. “Não importa o quanto levamos de dinheiro, porque sabemos que vai acabar e eventualmente teremos que trabalhar. E quando não temos mais dinheiro sentimos uma liberdade,uma sensação de não ter nada a perder. “, afirma Julian.

Com muita ou pouca grana, segue a trip. Agora, eles ressaltam que já há pessoas do litoral do Brasil que estão se dispondo a abrir as portas   para quando os cicloturistas estiverem passando por suas cidades. Isso porque a atual aventura de bike deles foi tema uma matéria do Jornal NH (de Novo Hamburgo), e a história da aventura deles tornou-se mais notória. O casal pretende seguir pedalando por todo o litoral do Brasil até chegar em Belém (no Pará), onde devem pegar um barco até a Amazí´nia e continuar seu caminho rumo   a América Central. “Estamos sempre com metas menores, não pensamos muito longe. Agora o próximo destino é Rio de Janeiro. Vamos seguindo um pouco de cada vez até o Caribe” contaram Marta e Julian durante sua visita a redação do jornal A FOLHA.

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Dicas e conselhos

Com a experiência acumulada após sua primeira viagem de 18 meses pedalando,   o casal acumula várias dicas preciosas para quem desejar fazer uma viagem do mesmo tipo: “Usar Filtro Solar sempre que possí­vel (para evitar insolação, beber muita água sempre. í‰ importante ter uma barraca boa, fácil de montar. Ter uma correia extra para a bicicleta também pode ajudar. Carregar somente o necessário, evitar levar peso desnecessário (para evitar o cansaço). Carregar uma lanterna boa, uma cola especial para remendar pneu – bem como ter alguns pneus sobrando, caso seja necessário”.

Concluindo, o casal de cicloturistas deixa alguns conselhos para quem tem um sonho parecido com o deles – de criar coragem e sair para conhecer o mundo – seja de bicicleta, carona ou como for. “O negócio é não pensar tanto e sair de vez, que é o mais difí­cil. O resto a gente vai aprendendo no caminho. Em casa temos muito mais medo, mas depois que começamos a pedalar e percorrer os caminhos se percebe uma sensação boa, nos libertamos”, finalizam Marta e Julian. Eles se despedem de nós e seguem por sua segunda viagem de bicicleta por nosso continente. Uma aventura inspiradora.

 


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