Por desconhecimento da legislação e dos efeitos do glifosato sobre a saúde humana e o meio ambiente, a capina química é realizada em áreas urbanas de Torres. Em dezembro de 2018, o herbicida foi aplicado na calçada de um prédio residencial e comercial, no Centro da cidade e em horário de grande fluxo de pessoas.
Alertado, o zelador justificou que era um “mata-inço de jardineiro”. “Paciência, entendeu? Eu não tenho como arrancar inço com as mãos”. Usando regador e sem equipamentos de proteção individual, o mesmo zelador aplicou o herbicida à base de glifosato numa área de drenagem da água no subsolo do prédio. Alguns meses antes, desta vez bem próximo à Praia Grande, um indício denunciava a capina química na grama de um condomínio: centenas de minhocas jaziam, mortas, secas na calçada.
O que as pessoas da cidade não sabem é que, ao realizar a capina química, além de contaminarem outras pessoas, animais, solo, água – e se contaminarem -, estão violando a legislação, uma vez que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) dispõe que, mesmo no mercado e registrados pelo Instituto Nacional do meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), os produtos para prática da capina química não estão autorizados nem pela Anvisa, nem por qualquer outro órgão para área urbana. Também não existe nenhum outro “produto agrotóxico registrado para tal finalidade”.
“É proibido usar em áreas públicas de circulação coletiva. A venda existe para uso em áreas privadas sob risco e responsabilidade individual. No condomínio é um perigo. Não tem dessas de ser “fraquinho”. Causa câncer. Para crianças e mulheres grávidas o perigo é maior”, informou por e-mail o agrônomo Leonardo Melgarejo, da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan).
As pessoas acham que é seguro
Mas por que “pessoas de bem” usam, em áreas públicas, um produto com tais características? Conforme a publicação Agrotóxicos- guerra química contra a saúde e o meio ambiente, editada pelo Centro de Educação Popular em Defesa do Meio Ambiente (Fundação Cepema/CE), o fato de algumas formulações à base de glifosato serem classificadas pela Anvisa como faixa verde, Classe IV – Pouco tóxico, gera uma distorção sobre a real periculosidade do produto. “Ao contrário do que muitos pensam, o glifosato é um produto altamente perigoso. Há evidências que pode provocar o nascimento de bebês com malformações e é capaz de provocar deformações em embriões, mesmo em concentrações até 5 mil vezes menores que as do produto comercial” (usado na agricultura).
“A faixa verde só indica que o efeito agudo não é significativo, mas não diz nada sobre os efeitos crônicos”, pondera a agrônoma Maria José Guazzelli.
Efeito agudo é quando os sintomas surgem logo após o contato com a substância tóxica. Já o crônico pode aparecer bem mais tarde em enfermidades irreversíveis.
Como evitar o chamado mato?
Para Cristiano Motter, da ONG de assessoria técnica Centro Ecológico, o primeiro pensamento das pessoas é que têm que usar venenos. Mas, segundo o técnico, o único jeito seguro de retirar as plantas espontâneas é o manejo manual, ou eventualmente, em áreas pequenas, o uso de calor (água bem quente ou lança-chamas). Ele compara o uso de venenos na natureza com a saúde das pessoas, que querem uma solução rápida, mágica, sem trabalho, para curar doenças que poderiam ser curadas com mudanças na alimentação e exercícios físicos. |