Sociedade pede ações mais articuladas em relação as pessoas em situação de rua de Torres

Audiência Pública realizada dia 15 de setembro abordou meios de acolhimento para população de rua, mas também teve argumentações pedindo que criminosos na mesma situação sejam fiscalizados. Mais de 30 pessoas usaram a tribuna no evento da Câmara

Imagem Meramente ilustrativa – FONTE: APM.org
24 de setembro de 2023

Na tarde de 15 de setembro, foi realizada na Câmara de Vereadores de Torres uma audiência Pública para ouvir opiniões sobre a situação dos moradores de rua/ pessoas em situação de rua de Torres. A demanda pela Audiência foi do vereador Gimi (PP), e a realização foi uma iniciativa da Comissão de Direitos Humanos da Casa Legislativa, presidida pelo vereador Jacó Miguel (PSD).

O evento estampou a presença de pessoas de diferentes segmentos da sociedade de Torres, desde efetivos moradores de rua ativos, passando por moradores recuperados, representantes de entidades privadas de acolhimento local, autoridades públicas da prefeitura de Torres, da Defensoria Pública do RS, da Polícia Civil de Torres (RS) e da Brigada Militar, que  se juntaram aos vários vereadores torrenses para debater caminhos e narrativas sobre esta delicada questão.

 

Opiniões substancialmente diferentes

FOTO – Vereadores que compuseram Mesa Diretora da audiência pública

 

O presidente da Comissão Temática de Recursos Humanos da Câmara de Torres, vereador Jacó Miguel (PSD), abriu o debate ao lembrar os fundamentos sociais e jurídicos relacionados ao debate público sobre pessoas em situação de rua – que vivem ou passam por Torres. “Pessoas em situação de rua não são necessariamente moradores de rua”, afirmou. “Artistas, vendedores de esquina, pedintes, dentre outros são pessoas que utilizam as ruas para sobreviver e isto tem que ser separado”, disse Jacó.

Mais de trinta participações de tribuna foram apresentadas na audiência, o que alongou os trabalhos da tarde de sexta-feira. Mas as posições foram divididas principalmente entre:

1 – Necessidade de assistir estas pessoas na cidade, independentemente de onde elas vêm, de certa forma atendendo uma demanda constitucional; o tema, inclusive, já foi matéria de uma decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (SRF) Alexandre de Moraes, que despachou prazo de 90 dias para que capitais nacionais tenham uma espécie de política pública protocolar para atender pessoas em situação de rua.

2 – Um grupo que pensa ser necessário separar as ações de pessoas em vulnerabilidade social das pessoas que causam impactos negativos em Torres. E que se tenha uma política separada para ambos casos.

3 – Pessoas que preferem tratar a questão problemática como a daqueles que efetivamente estão atrapalhando a segurança e a paz da comunidade torrense, grupo que sugere implementar políticas públicas para brecar o número de pessoas em situação de rua em Torres, tanto através de punição quanto com a retirada das pessoas que moram nas ruas.

 

Dificuldades após afastamento do CREAS do Centro

A servidora pública da Secretaria de Assistência Social de Torres, Vanessa de Almeida – que trabalha junto ao CREAS (Centro de Referência Especializada em Assistência Social) – utilizou a tribuna para explicar a situação atual do atendimento público as pessoas em situação de rua. Ela acha que a questão de pessoas terem que buscar moradas nas ruas é uma das consequências da desigualdade social, se juntando ao consumo de drogas e álcool, por exemplo.

Conforme dados do IBGE destacados por Vanessa, a cidade de Torres teria cerca de 28% da população vivendo mensalmente com menos de meio salario mínimo per capita, mostrando que a sociedade é imensamente desigual. “Torres também não é uma cidade tão rica, como acha muita gente”, sentencia Vanessa. Ela também disse que o CREAS de Torres não tem o status de programa nacional.  Mas que a prefeitura trabalha junto aos moradores de rua  de forma ativa, diariamente.  Segundo a técnica do CREAS, “existem 4 mil cadastrados ao todo na secretaria. E somente neste ano foram 400 casos oficiais (de novos cadastrados)”.

Um dos problemas sinalizados pela servidora Vanessa foi a troca de endereço do CREAS local, que antes funcionava no Centro e agora está na Estrada do Mar, o que teria causado a diminuição de atendimentos desde então. A troca de endereço teria ocorrido por reclames de vizinhos do CREAS do centro, que pediram para que a entidade saísse da região central (e conseguiram). Ou seja, quando mais perto do centro, o atendimento aos moradores era mais eficaz. E atualmente está um pouco prejudicado.

A profissional encerrou mostrando que existe um Estatuto das Pessoas em Situação de Rua e que o preconceito contra estas pessoas está sendo criminalizado, o que deve ser cuidado por àqueles que ainda querem reclamar desta situação de forma ofensiva. E sugeriu que algum Abrigo (casa de passagem), ou forma de Aluguel Social deveriam estar entre as demandas a serem implantadas em Torres, buscando avançar no atendimento aos moradores de rua.

FOTO – Vanessa de Almeida, servidora do CREAS Torres

 

Compartilhamentos de casos locais (e busca por acolhida)

Cristiano Mota trabalha junto a pessoas em vulnerabilidade que sofrem com os efeitos de álcool ou narcóticos. Ele possui um centro de recuperação na cidade vizinha de São João do Sul (SC) e diz já ter ajudado a retirar vários torrenses destas situações. Reclamou que precisa de documentação para poder abordar as pessoas nas esquinas pedindo colaboração. E teme que haja um movimento para enfraquecer o trabalho de sua entidade no Centro de Torres.

Cristiano levou várias pessoas para participarem na audiência e apoiar o trabalho efetuado no Centro de Recuperação, desde antigos moradores de rua, passando por frequentadores atuais da entidade até pessoas que ajudam nas esquinas em Torres, para angariar recursos.  Ele pede que as autoridades parem com os movimentos de esvaziamento dos trabalhos de entidades sociais junto as ruas de Torres e pede chance para aumentar ainda mais as abordagens a pessoas em vulnerabilidade – trabalho que, segundo Cristiano, estaria ajudando na reinserção social de dependentes químicos e pessoas em situação de rua.

Carlos Paz veio trabalhar em Torres, mas de repente se viu desempregado, com fome e sem ter onde dormir. Diz que foi salvo pelo atendimento do CRAS, que o atendeu quando precisava. Conforme disse em tribuna “acha que a política pública neste sentido deve levar em conta a situação de cada pessoa, sem preconceitos”.

Nilton é membro do Movimento Nacional da População de Rua – Está como coordenador desta política no RS e já viveu a situação de rua aqui em Torres. Hoje é egresso há cinco anos, mas já sofreu várias violações quando morava nas ruas. “Temos que olhar estas pessoas com dignidade, temos de saber o porquê destas pessoas estarem na rua. O meu caso foi de depressão, por exemplo,”.

FOTO – Lori Jose, ex-morador de rua comemora sua nova vida após atendimento local 

 

Lori José também já foi morador das ruas de Torres, por conta de uma desavença com a família. Disse que era dependente de bebida alcoólica e ficava violento, quando teve se sair de casa por conta da Lei Maria da Penha. Mas foi acolhido pelo CAPS e por Casas de Acolhimento, aqui em Torres, quando descobriu uma nova possibilidade de vida no horizonte. Disse que agora “trata de esquecer seu passado e de ser feliz depois de sair da dependência do álcool”.

Durante seu pronunciamento na audiência pública, Edvilson da Rocha, da Associação Luz e Caridade sugeriu que seja implantada em Torres uma espécie de República, para ter aonde levar pessoas que estão sofrendo, seja física ou psicologicamente, por estarem na rua.

 

Ação Civil Pública já teve pedido atendido

O defensor público Rodrigo Noschang também participou da audiência. Ele lembrou que a Defensoria Pública Estadual do RS (DPE-RS), por sua iniciativa, entrou com uma ação civil pública, ainda no período da pandemia por Covid-19, com decisão da justiça pela manutenção.  A ação prevê a implementação de uma política pública permanente de acolhimento a pessoas em situação de rua em Torres. O texto alega que, apesar da cidade ser classificada como Município de Pequeno Porte II (até 50.000 habitantes) e não estar contemplada com recursos para implantar um serviço permanente de acolhimento, era inegável que a realidade local demonstrava esta necessidade. O defensor aproveitou a audiência para relatar sobre a ação civil pública e destacar os próximos passos da atuação da DPE-RS.

defensor público Rodrigo Noschang

 

Rafael Mayer Teixeira falou em nome da ACISAT de Torres. A entidade representa em torno de 70 empresas estabelecidas na cidade.  Disse que “tem sido latente os pedidos de ajuda dos associados, no sentido de agir frente aos impactos da existência dos moradores e Rua em Torres”. Pede que o poder público assista a situação, tanto para acolher os moradores como para proteger os comerciantes. Mas se referiu principalmente à mazela daqueles que querem fazer arruaça, transtornando a ordem na cidade.

O delegado de Polícia Civil de Torres, Marcos Vinícius Veloso, ressaltou que as pessoas não têm somente DIREITOS, elas também têm deveres, e que estes devem ser cobrados (em alguns casos pela Polícia).  Narrou a prisão de um indivíduo que havia sido acolhido pela casa de Resgate em São João do Sul, com fichas criminais pretéritas.  E que este mesmo criminoso utilizava a casa de passagem para dormir: Saia às 7 da manhã e voltava às 9 horas da noite (no limite). Veloso lamenta que isto seja possível.  O delegado encerrou sua fala compartilhando que veio de família simples e que, se esta não tivesse  lhe ensinado que ele “deveria trabalhar” para usufruir de seus direitos, ele não estaria hoje em sua posição e poderia até ser um destes moradores de rua.

O Sargento Clédison, da Brigada Militar, também foi à tribuna. Ele Tem 15 anos de experiência em Torres. E dentre outras palavras, o policial militar disse que esta tendo “uma invasão” de pessoas em situação de rua, mas que “são alguns que estão necessitando de atendimento e outros que, inclusive, tem passagem pela polícia com fichas extensas e que ainda assim são acolhidos nas entidades de solidariedade”. Ele também comentou sobre um individuo, com várias passagens por ataques sexuais, que estava na rua e foi pego abordando uma menina, mostrando o risco da falta de investigação dos casos das pessoas em situação de rua.

 

Casos de pessoas expansivas e violentas preocupa

O ex Vereador José Ivan Pereira é gerente de uma empresa local que emprega 90 pessoas, “mais de 50% mulheres, esposas, mães e trabalhadoras ao mesmo tempo, que têm que ser respeitadas nas ruas”, disse ele na tribuna.  Ivan acha que as autoridades devem ouvir mais as empresas, muitas destas que já prestam (dentro de sua possibilidade) algum apoio a pessoas em situação de rua. José Ivan lamentou uma situação com moradores de rua na qual ele acabou agredido (caso este em que o agressor acabou posteriormente morto em confronto com a polícia, após tentar esfaquear um senhor na rua).  O ex-vereador encerrou salientando que “o Poder Público tem que buscar para si está responsabilidade” de encontrar soluções de convivência com a população de rua.

Sandra Pinto de Sá, comerciante da Praça XV de Novembro, disse que concorda que tenha de haver um acolhimento, mas disse que há muitas pessoas que não querem sair da rua, que por vezes são agressivos e incomodam. “Adentram nas lojas, exigem que se dê dinheiro, além de fazerem de tudo na praça: sexo, bebedeiras, gritarias e etc.”. “Acho que tem que ter uma regra para àqueles que deliberadamente não querem ajuda. E temos que ver os dois lados, porque não são todos que estão abertos para serem ajudados”, afirmou a comerciante do centro.

FOTO – Sandra Pinto de Sá, comerciante da Praça XV

 

Secretário afirma que questão é difícil

 O titular da Secretaria de Assistência Social e Direitos Humanos de Torres, vereador licenciado Fábio da Rosa, pediu espaço excepcional para dar sua versão, já que era em torno de um dos eixos do seu trabalho público que estava sendo o debate. Fábio disse que, no ano passado, foram compradas 210 passagens para tentar encaminhar pessoas em situação de rua de Torres para suas cidades natais. “Dizer que Torres atende muito bem é uma espécie de porta aberta para que outros municípios da região mandem para cá seus casos de rua”, alertou o secretário, passando sua opinião.

Ele também disse que já tentou encaixar várias destas pessoas nas Frentes Emergenciais de Trabalho,  mas muitos não querem. Ele também citou o caso do Secretário de Obras de Torres, Maurinho, que chegou a convidar pessoas em situação de rua para trabalharem em frente as mesmas esquinas na qual estavam vendendo ou pedindo – mas eles não quiseram. “Se a gente ajudar 40, virão mais 40”, lamentou. E encerou desafiando: “Se tiver alguém que sabe a solução definitiva para o caso dos moradores de rua,   eu entrego a chave da secretaria (de Assistência Social) hoje”.

 

Posições diversas manifestadas pelos vereadores

Vários vereadores também usaram a tribuna.  Um dos destaques foi o vereador Gimi (PP), que foi o autor da ideia da Audiência. Ele questionou quem não estivesse tratando o debate como uma questão humanitária, mas também reclamou dos que estariam colocando “tudo dentro de um mesmo saco”.  Criticou o STF por pedir que o município tenha de ter planos para atendimento a população de rua em curto período de tempo. “Duvido que o ministro Alexandre de Morais deixe que pessoas fiquem fazendo sexo em frente à casa que mora, como reclamam alguns comerciantes e moradores de Torres”, ironizou Gimi. O vereador sugeriu que a questão fosse encarada como uma parceria, onde o município dá abrigo e atendimento a pessoas em situação de rua em troca de uma atividade produtiva feita pelos atendidos no programa.  Mas o vereador também questionou os casos de violência: “Será que as pessoas têm o direito de coagir comerciantes a darem dinheiro para eles comprarem o que quiserem?”, indagou.

O vereador Moises Trisch (PT), ressaltou a importância de haver políticas preventivas públicas para atendimento a população de rua, salientando ainda sua opinião de que o município precisa investir numa Casa Abrigo para pessoas em situação de vulnerabilidade e a necessidade de o CREAS achar formas de voltar a trabalhar mais diretamente com a população da região central de Torres.

Rogerinho Evaldt Jacob(PP), presidente da Câmara dos Vereadores (autora da Audiência Pública) destacou depoimento do ex-morador de rua de Torres que superou seu problema através de suas próprias forças, porque queria isto. Reconhece que há pessoas em situação de rua que necessitam de apoio, mas alertou que, em sua opinião, há pessoas que querem se aproveitar da situação para receber ‘tudo pronto’, sem fazer nada(a vagar), assim como têm bandidos misturados no meio.

“Convenhamos, eles têm que respeitar nossos direitos; a população que trabalha o dia inteiro para sustentar sua família não tem que aceitar esta falta de respeito destes moradores de rua. Tem que existir punição para estas pessoas”, sentenciou o presidente da Casa Legislativa torrense.

 


Publicado em: Social






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