As gélidas Torres

"Nas gélidas Torres, os pássaros sobrevoam as árvores em bando, os andorinhões rumam para as furnas ao anoitecer em uma coreografia em espiral, girando como um imenso funil" (LEO GEDEON).

Pescador utilizando a técnica do “engodo” no Valo das Furnas. Acervo Museu Histórico de Torres (disponível na fan page Historiadores de Torres no Facebook)
26 de junho de 2017

Os habitantes do litoral desfrutam no auge do inverno das temperaturas mais amenas do sul do Brasil. Nas campanhas e nos pampas a geada fornece o tom esbranquiçado nas paragens sulinas e no alto da Serra, a fumaça das chaminés na brasa dos fogões a lenha municiada de pinhões, um frio seco de “rachar os beiços” e congelar as mãos e pés, experimenta o cair dos flocos de neve como se fosse um cenário dos Alpes europeus. Ao sabor do refrigério marinho, mesmo com temperaturas glaciais não há acanhamento: usa-se chinelo de dedo mesmo com o “garrão rachado”. No inverno é temporada de pescaria e de praia e o frio chega de “mansinho” deixando o mar de “ressaca”. No litoral, o vento gelado e a chuva fina impõe o ritmo de vida, intercalados com dias ensolarados e noites reluzentes, com a lua cheia nascendo no mar ou estrelada como um imenso mapa astronômico. O soprar do “minuano”, o chimarrão bem quente pela manhã acompanhado de uma adocicada bergamota, vislumbrando os contrafortes da Serra Geral e os detalhes dantescos dos canyons, anuncia o ritual da troca de estação. Já não é uma época de “veranicos” e a água do mar está gelada, acompanhada de seus visitantes sazonais: pinguins, baleias, lobos e leões marinhos, aves migratórias e cardumes e mais cardumes de peixe. “O mesmo frio que adoça a laranja é o que engorda a tainha” afirma a sabedoria popular. Em relação aos “dizeres” na adivinhação do tempo, é comum escutar dos pescadores mais experientes: “O vento norte chama o sul e o “sulão” não vem sem “molho” (chuva)!”

Nas gélidas Torres, os pássaros sobrevoam as árvores em bando, os andorinhões rumam para as furnas ao anoitecer em uma coreografia em espiral, girando como um imenso funil. As ruas estão pacatas, passam bicicletas e carroças, a garotada brinca durante as tardes ao ar livre e as pessoas se recolhem cedo para suas casas, após passar no mercado ou na padaria garantindo a feitura da sopa ou o pão com chimia. As noites são longas, enevoadas pela bruma, enquanto o dia é curto e o sol que aquece é no meio do dia. Nas casas de veraneios, o bate-bate das marteladas e os ruídos das serras- elétricas em meio à poeira do cimento os operários tomam café preto e comem bolacha. Para os veranistas, o inverno é época de reformar suas casas para desfrutar a temporada de verão, ou quem sabe tirar uma grana extra com o aluguel da residência?

Sem nuvens no céu, o degradê alaranjado do entardecer denuncia o peculiar cotidiano regrado por um relógio que tem seu próprio tempo. Nesta cápsula de dez meses ao ano, a verdadeira Torres de inverno, a face limpa dos seus habitantes circulando pelos espaços públicos, com a leveza no olhar por reconhecer seus concidadãos e cumprimentá-los ao passar na feira, nas calçadas, nos bares e nas praças. Sem a agitação do verão, sem se diluir na multidão, (a) o torrense, (a) o pescador (a), o (a) agricultor (a) o (a) marisqueiro (a), o (a)  bicuíra torna-se alguém, um sujeito visto e lembrado, chamado pelo nome e com um “rosto”, uma identidade. Na calmaria do rio Mampituba aos pesqueiros dos “paredões”, homens, mulheres e crianças observam às aguas que os rodeiam, alguns em busca de peixes, muitos em busca de sonhos e outros em busca de ilusões.




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