O Ministério Público do Rio Grande do Sul (MPRS), por meio do Centro de Apoio Operacional dos Direitos Humanos e da Proteção aos Vulneráveis (CAODH), comandou um levantamento sobre os quantitativos da população em situação de rua no Estado e sobre a implementação das políticas públicas para essa população. O objetivo do projeto do MPRS, intitulado “Rua Cidadã”, é permitir que os promotores de Justiça em cada comarca possam ter acesso a essa realidade no seu território de atuação, além de exigir um pedido de providência do Ministério Público Federal, também neste sentido.
“O levantamento verificou que, de toda a população em situação de rua no Estado, nem 15% conta com um serviço de acolhimento institucional, nem mesmo albergues para pernoitar. Além disso, não há prestação sistematizada do direito à alimentação na maioria dos municípios”, ressalta o coordenador do CAODH, Leonardo Menin. Mas ele também explica que, com os dados em mãos, “os promotores de Justiça conseguirão identificar, por exemplo, as violações de direitos nas suas cidades, quais serviços de assistência social e de saúde estão disponíveis para essas pessoas”.
A compilação propiciou que seja quantificada e qualificada a situação de rua que existe em cada território, quais são os serviços de acolhimento institucional existentes nos municípios e a capacidade de alimentação dessas pessoas. Os dados relativos à implementação das políticas de Saúde e Assistência Social, dos equipamentos públicos de serviços a esse público, como, por exemplo, se o município tem Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua (Centro POP), serviço de abordagem social e consultório na rua, também.
Os questionamentos foram respondidos antes das enchentes de maio deste ano. Com a calamidade humanitária e ambiental que assolou o Estado, esses números tendem a aumentar.
Dados sobre moradores de rua no RS
Conforme o diagnóstico, feito a partir das respostas de 76,65% dos municípios gaúchos, 14.829 pessoas adultas vivem em situação de rua – número que deve ser maior, já que três cidades de médio porte (Esteio, Parobé e Tramandaí) e uma de grande porte (Viamão), não responderam ao questionário.
Os maiores números se encontram em Capão da Canoa (668), Gravataí (799), Canoas (1.311), Caxias do Sul (1.497), Porto Alegre (2.371) e Pelotas (3.937).
Referente a crianças e adolescentes, o diagnóstico indica que 365 estão em situação de rua, sendo que o maior volume está em Porto Alegre. Ainda, o levantamento apontou que 131 famílias vivem nas ruas, a maioria delas em Porto Alegre (28), Santa Maria (25), Bento Gonçalves (22) e Pelotas (10).
De todas essas pessoas, 34,63% (5.136) foram encontradas de modo sistemático na rua e 35,21% (5.222) são itinerantes. A concentração maior está na Região Metropolitana de Porto Alegre. Dos municípios que enviaram as respostas, 286 (que corresponde a 75,06%) informaram não ter nenhuma pessoa em situação de rua.
Torres e região não possuem equipamentos de “Alta Complexidade”
Com relação ao acesso à alimentação, direito fundamental previsto na Constituição, 81,82% das cidades que têm pessoas em situação de rua ofertam o serviço. Desses, em 49,38% (40) a oferta se dá por meio de organizações da sociedade civil de forma sistemática e em 34,56% (28) assistemática, o que revela a insuficiência da oferta por parte do poder público. Conforme Menin, um mesmo município pode ter informado mais de uma opção. Ainda com relação à segurança alimentar, 48,95% informaram insuficiência.
Dentro dos serviços da alta complexidade de assistência social para atendimento à população em situação de rua nos municípios respondentes, 60,18% (65) não dispõem de abrigo, albergue, casa de passagem ou república. Dos 30 municípios com mais de 50 pessoas em situação de rua: 46,66% (14) possuem albergue; 23,33% (7), abrigo; 20,0% (6), casa de passagem; 10% (3), república; e 20,0% (6), não dispõem de equipamentos da Alta Complexidade. São eles: Campo Bom, Capão da Canoa, Osório, Sapiranga, TORRES, Vacaria.
Existem 2.185 vagas de serviços da alta complexidade, sendo 1 mil em Porto Alegre e o restante em outros 41 municípios. Das 14.829 pessoas em situação de rua, apenas 14,73% (2.185) são atendidas em equipamentos com proteção ao menos noturna (no caso de albergues).
Com relação a serviços da Média Complexidade e da Proteção Social Básica para atendimento à população em situação de rua nos municípios respondentes, 69,62% possuem Centro de Referência de Assistência Social (CRAS), 51,11% têm Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS), 5,92% Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua (Centro POP). Ainda, 22,22% contam com equipes para abordagem social e 5,18 % com equipes volantes no CRAS.
Sobre equipamentos da Política de Saúde nos municípios respondentes 99,12% contam com Unidades Básicas de Saúde; 7,89% com consultórios de rua; 13,16% com ambulatórios de saúde mental; 35,96% contam com Centros de Atenção Psicossocial – álcool e drogas e 50% com outras modalidades de CAPS.
Apenas 18 cidades indicaram ter Plano Municipal para População em Situação de Rua ou estar em elaboração e sete contam com Comitê Intersetorial para Políticas para População em Situação de Rua.
Conclusões
Além de sinalizar ao Ministério Público, como órgão de fomento e fiscalização das políticas públicas, as zonas vulneráveis e municípios em situação crítica, instigando à atuação institucional na matéria, o relatório conclui que o direito social à alimentação adequada e segura não vem sendo ofertado para, pelo menos, a metade da população em situação de rua no RS. “O protagonismo do Poder Público no asseguramento do direito encontra-se em xeque”, destaca o relatório.
O documento aponta também gravíssimo déficit de serviços da Alta Complexidade da Assistência Social (abrigos), já que os informados cobrem apenas 14,72% dessa população, além de baixíssima oferta de Centro POP, de equipes de abordagem social e de Consultórios na Rua; e baixa especialização da Assistência Social e da Saúde no atendimento às pessoas em situação de rua.
É pontuada, por fim, a necessidade de elaboração de política ou plano municipal para a população em situação de rua que produza um desenho articulado entre a assistência social, saúde, segurança alimentar, trabalho e renda, profissionalização, esporte, cultura, lazer, entre outras áreas, além da constituição dos respectivos comitês intersetoriais.
Também conclui a necessidade de movimentos em direção aos municípios de Esteio, Parobé e Tramandaí, de médio porte, e Viamão, de grande porte, que não responderam ao questionário e, ao terem maior número de habitantes, possivelmente têm pessoas em situação de rua.
Em tempo de formatação de Planos de Governo, este tema bem que poderia estar na pauta dos partidos e coligações que participarão do pleito eleitoral de outubro próximo.