DIÁRIO DE MOCHILA – Da Chapada Diamantina para a Chapada dos Veadeiros

Buenas! Na sequência, falo de troca de Chapadas que faço: da Chapada Diamantina até a Chapada dos Veadeiros. Saindo da Bahia depois de 5 meses e chegando no Goiás. Estado que passou a ser o que mais tempo fiquei até hoje em minha viagem. Boa leitura a todos!

6 de agosto de 2022

Um pequeno parênteses – Jan/Fev-2021

 

Os 2 meses que passei na Chapada Diamantina me mudaram demais. Foi o primeiro local em que tive grande contato com a natureza selvagem. E quase em todos momentos, sozinho. Foi onde aprendi a me conectar de verdade comigo e com a natureza. Ver que fazemos parte dela, apesar do nosso sistema moderno nos deixar cada vez mais distante disso. Após os contatos que tive na Chapada com pessoas muito simples e que me muito me ensinaram, acendeu-se em mim um interesse cada vez maior pelo lado antropológico. Conhecer não apenas os cenários do Brasil, mas o brasileiro que de fato estava inserido nesse cenário. Entendi que assim eu estaria mais próximo da verdade cultural da região que eu estivesse. O grande propósito da minha viagem era de estar cada vez mais próximo de minha própria essência. E nada melhor que conviver com a verdadeira essência do povo brasileiro para facilitar essa minha busca. Ficar apenas transitando em locais turísticos e inserido naquele contexto, para mim, já não fazia mais tanto sentido, minha busca era outra. Nesse período, no início de 2021, esses novos questionamentos começaram a entrar em minha cabeça e me norteariam para algumas mudanças futuras que viriam…

 

Trocando de chapadas

 

FOTO – Pipe e amigos, em uma das Cachoeiras na Chapada dos Veadeiros

 

Saí da Chapada Diamantina com objetivo de chegar na capital do país. De lá, iria em direção a Chapada dos Veadeiros, situado no estado de Goiás, onde encontraria um grande amigo meu da época da faculdade, que hoje mora na Europa, e que queria passar suas férias no Brasil viajando comigo, do meu jeito: pegando caronas, acampando, etc. Por esse motivo decidi ir para essa região, pois além dessas aventuras, ele teria muitas cachoeiras e visuais bonitos pra conhecer.

Foi o primeiro grande trajeto que tive que fazer de carona em minha viagem. Eram cerca de 1000km de estrada para sair da Bahia e chegar em Brasília. E dei sorte. Um caminhoneiro que parou para mim na BR estava justamente indo para lá. Erasmo, o nome dele. O primeiro grande amigo caminhoneiro que fiz. Fiquei durante 2 dias com ele e foi quando tive a primeira experiência de dormir com minha barraca em um posto de gasolina, a qual adorei e entendi que poderia ser uma possibilidade de pouso para futuras situações.

Chegando em Brasília, me encontrei com meu amigo e fomos para a Chapada dos Veadeiros. Em resumo, por lá fiquei 2 meses, as primeiras 3 semanas sendo na companhia dele. Foi um período muito diferente do que eu havia vivido até então em minha viagem. Primeiro, pelo simples fato de eu estar acompanhado. As situações mudam, as decisões passam a ser compartilhadas. E eu não estava mais acostumado com isso, tinha adquirido uma liberdade muito grande. Não foi um grande problema, até pelo fato de sermos muito amigos, mas foi quando detectei pela primeira vez que mexer na minha liberdade mexia comigo. Alem disso, após o primeiro ano de pandemia, os locais cada vez pareciam voltar mais ao normal, com mais turistas e pessoas na rua. E pela Chapada dos Veadeiros ser um destino nacional, o movimento era grande. E eu não sabia mais o que era isso. A parte boa foi conhecer novas pessoas e fazer amizades. Foi um período para eu voltar a compartilhar momentos. Também foi estranho para mim, pois na Bahia acostumei a fazer minhas trilhas sozinho. Já no Goiás, isso era praticamente impossível. Mas foi interessante para eu degustar os momentos de outra forma. Numa ocasião, eu e meu amigo, que nunca havia acampado em terreno selvagem, dormimos em cima do Morro da Baleia, um dos cartões postais do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros – local onde era proibido o acesso. Acho que aquela facilidade toda estava me entediando e precisava de um novo desafio. Foi uma noite memorável, com visuais surreais. Apenas eu e meu amigo. Após sua volta à Europa, já sozinho, acampei em cima de outro morro, o do Buracão, onde também tive situações de beleza únicas. E foi quando, podendo fazer essa comparação, entendi que quando se tratava de natureza, eu preferia estar sozinho. A sensação de liberdade e autonomia eram gigantescas, e isso me movia.

Caminhada antropológica

 

FOTO – Pipe e Seu Divino, no pequeno povoado de São Domingos (GO)

 

Mas a historia mais marcante que tive não foi relacionada à natureza. Já nesse interesse cada vez maior pelo lado humano, decidi ir a um micro povoado que, aleatoriamente olhando no mapa, me parecia ser interessante de conhecer. Completamente isolado, em meio às serras do município de Cavalcante. Ninguém me disse para ir pra lá, assim como quando eu perguntava sobre, ninguém nunca tinham ouvido falar. Era isso que eu buscava. Um lugar praticamente virgem. Para chegar lá, primeiramente peguei algumas caronas até a entrada da estrada de chão que me levaria ao povoado. Eram cerca de 40km até lá e eu imaginava que alguma carona eu pegaria no caminho, mas não foi assim. No primeiro dia caminhei 25km. Eram infinitas subidas e descidas de serra, confortadas por visuais mágicos. Os córregos e rios do caminho iam me abastecendo de água. Ao final do dia, após não conseguir carona, por não passar ninguém, e eu já estar esgotado, acampei numa roça que parecia estar abandonada, mas tinha um espaço bom para colocar minha barraca. Após fazer uma comida em minha panela e fogareiro, dormi e descansei. No dia seguinte, foram mais 15km de caminhada até chegar ao povoado de São Domingos, meu objetivo. Notei que ele era mais simples do que imaginava. Eu não tinha mais comida comigo e pretendia por lá comprar algo para cozinhar ou até mesmo pagar por algum tipo de refeição. Mas nem um nem outro existiam. Os moradores iam volta e meia até a cidade para fazer a “feira”, mas a maior parte da comida era plantada ou criada ali. Eu estava com muita fome e fraco. Tinha comido apenas umas batatas logo cedo. Achei uma casa onde uma moradora vendia algumas bolachas. Comprei uma e, sentado no chão, devorei como uma onça faminta devora um veado. Os moradores, que já me cercavam e estavam curiosos para entender quem era eu e o que eu estava fazendo lá, aos verem isso, me ofereceram comida. Mais precisamente, o Seu Divino. Agradeci muito e devorei da mesma forma que havia devorado as bolachas. Ele, como sendo um “representante” dos curiosos que se aglomeravam naquele momento, perguntou: “O que o senhor veio fazer aqui?”. Respondi com a maior sinceridade: “Conhecer vocês”.  Não entenderam, mas aceitaram.

Por lá fiquei 4 noites, acampado dentro de uma pequena escola. Como era pandemia e estava sem aulas presenciais, eles me permitiram ficar por lá, inclusive me dando a chave do banheiro. Seu Divino disse que enquanto eu estivesse no povoado, eu comeria o que ele comesse. E assim foi: Três vezes ao dia ele chegava em minha barraca com um prato de comida, quando também aproveitávamos para ter conversas sobre a vida e a natureza. Os moradores de lá, assim como a grande maioria dos que habitam povoados do interior do país, vivem de roça e programas sociais do governo. Lembro de um dia alguns carros da prefeitura da cidade chegarem na escola, para distribuir comida e roupas para os moradores, que faziam fila para isso. Na época, as mangas e abacates caiam aos montes dos vários pés que por lá existem. Me ajudava também a não depender apenas da comida do povo. Banho eu tomava todo dia no rio, juntamente com alguns matutos que não tinham chuveiro e por lá iam se banhar. Saí de lá descansado e renovado.

Ter feito isso reforçou minha ideia de querer cada vez mais estar perto do povo e ver que isso estava me movendo muito mais do que a própria natureza. Eu estava mudando, sentindo que estava formando um casulo para depois me libertar e sair por aí. Mas ainda não entendia o que iria acontecer e o que viria pela frente. Deixaria meu instinto dizer na hora certa. E após 60 dias na região da Chapada dos Veadeiros, me direcionei para Brasília. Semana que vem continuo com a sequência. Até lá!


Publicado em: Turismo






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