DIÁRIO DE MOCHILA – Degustação do Pará e vida selvagem no Parque das Emas

Após ter tido a experiência (totalmente sem planejamento) de colher açaí na floresta amazônica, resolvi passar mais alguns poucos dias no estado do Pará para poder ter mais contato com o povo e a cultura de lá. Depois, retornei ao Centro-Oeste, para acompanhar um fenômeno extremamente raro

Passeando pelo Parque das Emas
1 de outubro de 2022

Após colher açaí na floresta amazônica, resolvi passar mais alguns poucos dias no estado do Pará para poder ter mais contato com o povo e a cultura de lá. Foi pouco tempo, cerca de uma semana. Minha ideia não era “me perder” tanto por lá, pois eu estava com alguns prazos para conhecer de perto um fenômeno extremamente raro, novamente no estado do Goiás. Mas isso eu explico mais pra frente.

Nesses dias que fiquei no Pará, dou destaque para os 3 dias que fiquei na pacata cidade de São João do Araguaia. Ninguém me disse para ir lá. Decidi apenas por, olhando no mapa, gostar do fato de a cidade ser bem isolada e beirar o grandioso Rio Tocantins.  Como na maioria das cidades que eu passava, zero de infraestrutura turística. O pequeno município, com menos de 10mil habitantes, já me surpreendeu em minha chegada por ver a simpatia do povo. Aquele lugar que todos te dão bom dia, boa tarde e com um belo sorriso no rosto. E além disso, contava com belezas naturais que eu ainda não tinha visto igual.

Um rio com centenas de pedras que faziam a água parecer um labirinto. A parte ruim ficava com o forte e úmido calor durante o dia e os milhares de tipos de inseto que, não apenas picavam, mas também tentavam entrar por todos orifícios do rosto. Nem tudo são flores, eu estava no norte. Minha casa por lá foi o coreto da praça central, onde armei minha barraca. Nessa mesma praça, crianças, adolescentes e também adultos da cidade jogavam uma “pelada” todos os dias no fim da tarde. Quando chegaram e me viram com minha barraca já virei a atração da cidade. Todos me cercavam querendo saber quem eu era. Simpatia e pureza únicas. E esse mesmo pessoal que me acolheu pelos dias que fiquei por São João. Ao acordar cedo e sair de minha barraca, normalmente alguém já estava por lá me esperando para levar para sua casa para tomar café da manhã. No almoço e janta era a mesma coisa. Teve uma noite que dois jovens até entraram em uma discussão para saber quem me levaria para jantar em sua casa. Como não sou bobo nem nada, eu disse que ia nas duas, sem problemas. Fiz bons amigos por lá que mantenho contato até hoje. Considero essa cidade uma das que mais fui bem acolhido no Brasil até o momento. Era lindo de ver a sinergia que a população vivia. Uma energia do bem aparentemente entre todos, muito difícil de se achar por aí.

Após isso, me despedi de minha rápida passagem pelo Pará para retornar ao centro oeste. Esse estado ainda vai ter minha devida atenção em outro momento e eu sabia disso.

 

Voltando ao centro-oeste

Resolvi retornar ao Goiás para acompanhar um fenômeno extremamente raro, que acontecia apenas naquela época do ano (novembro) em um dos Parques Nacionais mais selvagens do Brasil. Esse parque é considerado o safári brasileiro, por ser totalmente intocado e pela grande facilidade de se avistar a vida selvagem nele. Então, saí do Pará em direção a Goiânia, primeiramente, para depois rumar ao Parque Nacional das Emas. Tudo, como sempre, pegando várias e várias caronas.

Pertencente ao estado goiano, ele fica muito próximo da tríplice divisa com os estados do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Região com agronegócio pulsante. Se vê apenas lavouras de cana, soja, milho e, encrustado nesse meio, a área de cerrado completamente intocada do parque. Gostaria eu que fosse o inverso. Uma área de mata gigantesca com um pequeno espaço de monocultura em meio a natureza. Mas no país que é o “celeiro do mundo”, isso é utópico…

FOTO – Pipe as margens do Rio Tocantins, em São João do Araguaia

 

Vida selvagem

Chegando em Mineiros, município que abrange a área do PARNA Emas, o discurso era de que, para conhecer o parque, apenas com carro… e a utilização de um guia era obrigatória. Nada que eu já não estivesse acostumado a ouvir. Como sempre, fui do meu jeito. De carona e caminhando em alguns trechos. Eu sabia que o parque possuía diversas guaritas ao seu redor e, em cada uma delas, um vigia morava em uma pequena casa. Minha ideia era chegar de surpresa nelas e dormir nessas guaritas. Aprendi na estrada que, onde tem um ser humano morando, existe água e comida. Mais do que isso eu não preciso. E assim cheguei na primeira guarita. Eu e minha grande mochila, caminhando.

FOTO – pegada de onça

O vigia responsável não entendeu nada. O local é isolado e qualquer turista que vai para lá chega de carro e com um guia. Inicialmente, após eu explicar minha história e dizer que queria passar a noite por lá, a resposta foi não. Mas após uma rodada de café e conversas mais profundas, ele me aceitou. Como ainda era cedo, decidi passear pelo parque. Meu novo amigo me emprestou uma bicicleta para facilitar a minha locomoção. E assim acessei as estradas do parque, sempre muito atento para tentar observar algum animal. Já no primeiro dia, avistei de perto alguns veados e uma anta com seu filhote. Apenas eu e eles na natureza. Meu objetivo maior era de avistar onças (como sempre), mas elas realmente não gostam de ser vistas. Até fui para uma região que eles chamam de “região proibida”, por ser perto das escarpas de pedra onde os felinos costumam habitar. Achei muitas pegadas das bichanas, mas nada delas. Passei o dia todo completamente sozinho, sem ver ninguém. Por ser dia de semana, o parque costuma ficar assim, sem turismo.

 

O espetáculo da bioluminescência

Um lampejo da bioluminescência, produzida por insetos

A noite, após voltar para minha base e ganhar uma janta do vigia, saí para caminhar e procurar o tão raro fenômeno da bioluminescência. Visualmente falando, esse fenômeno ocorre em cupinzeiros (existem milhares espalhadas pelo parque) que, após uma espécie de vagalume depositar seus ovos nele, as larvas que vem a nascer brilham durante a noite. Elas fazem isso para atrair outros insetos menores e se alimentar deles. E o efeito visual disso é simplesmente surreal. Esse fenômeno ocorre apenas em pouquíssimos lugares do Brasil, sendo o Parque das Emas o com maior facilidade de se visualizar. No meio da total escuridão do mato, esses cupinzeiros brilham como árvores de natal. Uma luz verde e viva que faz com que os cupinzeiros pareçam prédios com suas janelas iluminadas. E, por lá, existem áreas com diversos deles lado a lado. A impressão que se tem é que se está em uma cidade a noite. Difícil explicar por palavras, só vendo ao vivo mesmo. A natureza é perfeita demais.

 

Eu X Queixadas

Após passear pelo mato a noite com minha lanterna, voltei para a guarita. Estava eu e meu amigo conversando, quando escutamos um bando de Queixadas (espécie de porco do mato) se aproximar. Eram dezenas deles. Esse animal, que costuma andar em grupo, é considerado muito perigoso. Normalmente a presença humana significa ameaça para eles. E quando eles se sentem ameaçados, batem os dentes com força, causando um alto e assustador som. Ficar perto deles é considerado suicídio. Eles normalmente cercam a presa, que fica sem ter para onde ir, e aos poucos vão mordendo e arrancando pedaços. Devido a isso, as casas/guaritas de lá já possuíam um sistema de proteção com muros e cercas. Quando um bando se aproxima, todos entram para casa e por lá ficam até que eles vão embora. Eles saem comendo absolutamente tudo que tem na frente. Até pedra. Mas eu queria ter a sensação de estar no meio deles, mas de uma forma que eles não me comessem. Isso não seria legal.

Observei que uma escada estava escorada em uma árvore na parte de fora, onde eles estavam. Falei para o vigia que ia correr até lá e subir nela. Ele disse para eu não fazer isso. Eu respondi que faria sim. Ele suplicou que não. Eu insisti. E assim, numa brecha de tempo que o caminho estava livre, abri a porta e sai correndo até a escada. Subi uns 4 degraus, altura que julguei ser suficiente para que suas bocas não chegassem em meus pés. O primeiro a se aproximar foi o líder (normalmente é assim). Gigante, preto, com forte cheiro e um olho avermelhado e profundo. Uma figura que dá medo. Ao sentir meu cheiro seus dentes começaram a bater. E assim, vários outros se aproximaram fazendo o mesmo. Eles estavam com muita raiva. Pensei: “Felipe, por que tu veio para essa escada? Por que não ficou observando da janela da casa?”. Não achei resposta. Eu estava gelado e imóvel. Eu sabia que estava numa altura segura, mas meu medo era de que as criaturas comessem a escada. E depois a mim. Mas isso não aconteceu. Se não, eu não estaria escrevendo aqui agora. Após alguns minutos tentando achar uma forma de me comer, eles se afastaram. Me aliviei e por aquela escada fiquei mais alguns bons minutos, apenas os observando e esperando que a manada fosse embora para eu retornar a casa.

FOTO – Registro do encontro noturno com uma das queixadas

No dia seguinte, consegui uma carona de pessoas que estavam fazendo manutenção no parque, em direção a sua outra extremidade. A carona foi até uma parte, depois, caminhei cerca de 20km no meio do mato até chegar a saída e a outra guarita. Sempre ligado se um grupo de Queixadas não estava por perto. Minha estratégia seria subir numa árvore. No caminho, vi outros vários veados, seriemas e uma grande Ema com seus 10 filhotinhos. Esses dois (e intensos) dias que passei por lá foram minha experiência mais próxima da vida selvagem até hoje. Onde mais pude ver animais e com a cereja do bolo da bioluminescência. E também sendo muito bem acolhido por pessoas do bem. Dias que nunca vou me esquecer.

Na semana que vem, falo só meu retorno ao nordeste, região do país que eu já havia passado alguns meses quando estava na Bahia, mas que ainda havia muito a ser desbravado. Até lá!


Publicado em: Turismo






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