DIÁRIO DE MOCHILA – Pelo ‘Lado B’ do turístico litoral Cearense

Buenas! Na última semana meu relato foi sobre minha chegada ao litoral cearense e minha primeira semana na praia da Redonda em Icapuí. Hoje, sigo minha caminhada pelo litoral cearense. Boa leitura a todos!

FOTO – Vastidão de Dunas desertas, próximo da movimentada Canoa Quebrada
11 de fevereiro de 2023

Rumo ao oeste

 

Após minha saída de Icapuí, onde relaxei por uma semana e tive uma série de descobertas, rumei em direção ao oeste. A costa do Brasil, geograficamente falando, em um determinado momento (no Rio Grande do Norte, mais precisamente) tem uma quebra que faz com que as direções a serem seguidas não sejam mais a norte e sul, mas sim, leste e oeste. Isso claro, para quem é do sul, Sudeste e uma parte do nordeste, que tem como parâmetro as coordenadas de norte e sul. No Ceará, eu estava no litoral leste naquele momento. Bem no início dele. E com o objetivo de seguir rumo ao oeste e chegar até a outra ponta do estado, já próximo da divisa com o Piauí. Região onde meu avô materno nasceu e eu sabia que alguns parentes perdidos poderiam estar por lá. Essa seria minha última parada antes de pegar estrada para o Rio Grande do Sul. Ou seja, fazer toda a extensão do (muito longo) litoral cearense. Eu estava no meio de setembro (2022) e queria finalizar todo esse trecho até o final de outubro, quando iria me organizar para ir ao sul. Ou seja, um mês e meio pela frente. Como a costa do Ceará é muito extensa, eu sabia que não daria para conhecer tudo. O que é diferente para mim, pois normalmente não tenho prazo de nada e posso conhecer tudo que quero e da forma que quero. E teoricamente esse prazo não existia. Essa decisão de data de ir para o sul partiu apenas de mim. Era um compromisso meu comigo mesmo. E também porque dessa vez meus pais estavam avisados que, por novembro, eu estaria por lá. E eu não queria frustrar a expectativa deles. Afinal, já fazia mais de um ano que não nos víamos pessoalmente. Visto tudo isso, entendi que minha passagem pelo litoral do Ceará já tinha uma data para terminar.

 

Driblando o turismo

 

FOTO – em Canoa Quebrada (CE)

Muito próximo a Icapuí, ficava uma muito famosa praia, chamada Canoa Quebrada. Julgo ser a segunda mais turística do estado. Muito turismo, drogas, festas, ‘dinherismo’ … Enfim, tudo aquilo que eu imaginava de lugares como esse –  e buscava fugir em minha jornada. Então, minha passagem por lá foi relâmpago. Peguei umas caronas e consegui chegar em Canoa ainda cedo. Pela manhã passeei pelas belas praias e depois fui atrás de um almoço barato. Essa parte é interessante de abrir um parêntese. Até porque muita gente sempre me pergunta como é que faço para comer em minha jornada. O primeiro ponto que aprendi na estrada, e vou levar isso para a vida, é que onde há ser humano há comida. As vezes, mesmo sem ser humano por perto, também se acha na natureza. Mas de uma forma mais convencional, comida sempre vai existir. Já tive diversos casos em minha viagem em que cheguei em pequenos povoados, ou andando em desertas estradas de chão, que dependia única e exclusivamente da comida do fogão dos moradores. Isso, porque nada comercial havia nesses lugares. E nesses casos, muito raro eu precisar pedir comida. Os próprios moradores já me oferecem apenas ao me ver. Mas enfim, esse é um caso extremo. Eu estava na turística Canoa Quebrada. E se eu decidir comer a comida feita para os turistas nas ruas mais turísticas, obviamente vou pagar o preço de um turista. E que normalmente é caro. Mas quando se sai dessa zona mais comercial e turística e se vai para a região mais residencial do lugar, se acha todo tipo de opção barata de comida. A comida que o povo come. Todo lugar turístico tem moradores locais. E esses moradores locais não comem onde turista come. Até porque não tem dinheiro para isso. Então, é só procurar onde eles costumam se alimentar. Normalmente, chamo um nativo na rua e pergunto: “amigo, onde vocês comem por aqui? Eu sei que tenho cara de turista, mas quero ir no restaurante que tu vai”. Assim eles entendem e explicam o melhor local. E nesse Brasil, se acha refeições muito boas e bem servidas que vão de 10,00 a 15,00. E o que eu acho melhor de tudo, comendo a verdadeira comida do lugar. Aquele sim é um prato típico da região. A comida que o povo come. Pratos, ingredientes e temperos que eles gostam. Para mim, isso sim é experimentar a cultura do local. Ir num restaurante onde quem faz a comida as vezes nem do Brasil é, pra mim não é experimentar a culinária brasileira. É apenas a minha opinião. Acredito ser outro tipo de experiência. Costumo dizer que, mesmo se eu não precisar pagar nada em nenhum dos casos, numa situação hipotética, vou optar sempre por ir nesses restaurantes populares. Até porque me sinto mais à vontade. É tudo mais simples. Do jeito que eu gosto. Fecha parêntese para isso.

 

O lado B

 

Devido a essa minha falta de interesse de ficar mais tempo em um local muito turístico, resolvi em Canoa Quebrada ir para o lado B (ou C) para dormir uma noite que outra. Ao lado dessa praia existe uma imensidão de dunas que são limitadas pelo Rio Jaguaribe. E na beira desse rio, um muito pequeno e isolado povoado ribeirinho, que vim a descobrir que também era uma comunidade quilombola. A comunidade do Cumbe. Me chamou muito mais a atenção do que a tão turística Canoa Quebrada. Então, após almoçar, fazer a digestão e conversar com alguns nativos, coloquei minha mochila nas costa e comecei minha caminhada até lá. Esses mesmos nativos mal sabiam me explicar como fazer isso que eu queria fazer, pois ninguém tinha o costume de fazer algo do tipo. Apenas bugies, raramente faziam esse trajeto para levar turistas até uma grande duna para se ver o pôr do sol. Alguns me diziam que eu ia me perder – mas é isso que mais me motiva. O desafio de fazer o que dizem ser difícil fazer. Isso me move. É uma coisa que tem dentro de mim que julgo ser uma benção, mas ao mesmo tempo uma maldição. Benção porque me faz ter uma coragem que poucos tem. E coragem para mim nada mais é do que não ter medo de enfrentar o seu próprio medo. E maldição porque me expõe a certos riscos as vezes. Enfim, esse sou eu (pelo menos até hoje).

 

Caminhando pelo deserto

Caminhei uns 5 quilômetros por uma praia deserta que já era rodeada por essas dunas. Após isso, me adentrei nesses gigantescos morros de areia buscando chegar no povoado do Cumbe. Foram mais 3 quilômetros de caminhada que mais pareciam uma travessia de um deserto. Areia pesada, sobe e desce de grandes dunas e sol na cabeça. E tudo isso com meus 25kg nas costas. A boa parte é que escolhi o horário em que o sol já ia perdendo força, então, a areia não estava tão quente e o calor não era não grande. A cada 500 metros, dava uma parada para descansar e desfrutar do visual. Olhava ao redor e só vi areia. O único som era o do forte vento que faziam rajadas de areia cortarem minhas pernas. Num determinado momento, após algumas horas de caminhada desde minha saída de Canoa Quebrada, cheguei na última duna que já era forrada por uma forte vegetação. E eu sabia que nela eu desceria por uma trilha para chegar no povoado. Me aliviei. Cheguei aonde queria. Já era final da tarde e meu visual apontava para o lado oeste. Ou seja, peguei de camarote um mágico pôr do sol. Sentei e aproveitei todo aquele momento. Tive meu momento de meditação e conexão comigo e com a natureza. Era só eu e eu. Chorei de felicidade pelo espetáculo que a natureza me deu e por sentir toda liberdade que eu tinha adquirido em minha jornada. Às vezes eu precisava de momentos como esse para valorizar toda essa caminhada dos meus últimos anos e que eu vinha questionando seu prazo de validade nos últimos meses. Era como se eu soubesse que isso acabaria em breve, então, queria desfrutar cada momento como se fosse o último. Mas eu não poderia esperar escurecer, pois eu ainda tinha que chegar no povoado do Cumbe, arranjar um lugar para dormir e comida para comer. Sim, o Cumbe seria mais um caso de local em que eu já sabia que minha alimentação dependeria apenas dos moradores, por também já saber que por lá não havia restaurantes e afins. Mas tudo daria certo. Sempre dá…

Na próxima semana conto dos meus acontecimentos aleatórios por esse mágico povoado do Cumbe. Até lá!


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