DIÁRIO DE MOCHILA – Uma nova visão para os relacionamentos

Já passadas várias edições de minha coluna por aqui, em nenhum momento mencionei nada relacionado aos afetos que tive pelo caminho. Porém, seguindo a cronologia de minha jornada, cheguei num momento da viagem em que é inevitável entrar nesse assunto

FOTO - Pipe com Isa
8 de outubro de 2022

Já passadas várias edições de minha coluna por aqui, em nenhum momento mencionei nada relacionado aos afetos que tive pelo caminho. Como a ideia central dos meus textos são para falar das minhas aventuras e questões filosóficas (que acredito serem pertinente de menção), preferi manter essa pauta oculta. Porém, seguindo a cronologia de minha jornada, cheguei num momento da viagem em que é inevitável entrar nesse assunto, visto que, durante 45 dias, tive uma companhia pelas estradas do nordeste, região que eu voltei após quase 1 ano girando partes do centro oeste e norte do país.

Minha visão de relacionamentos mudou demais ao longo da estrada. Não só as sexuais, todas relações. Eu sou um passante. Ou seja, aprendi a criar um desapego sentimental enorme. A despedida para mim não é mais algo difícil. As vezes parece que me tornei uma pessoa fria, mas não é isso. Com o tempo nesse estilo de vida, se entende que momentos bons existirão mas com um curto prazo de validade. Por isso, sempre procuro aproveitar o mais intensamente possível cada relação que crio no caminho. Seja uma pequena conversa de minutos de uma carona que recebi, seja de uma família que me acolheu por um dia, assim como com uma mulher que eu me relacione por alguns dias. Eu sei e os outros sabem que, em algum momento, brevemente, tudo vai acabar. Eu vou embora e ficarão apenas lembranças. Para mim, que já estou acostumado, tudo fica mais fácil. Eu já entendi que as pessoas vão e vem. Se hoje estou conhecendo pessoas maravilhosas e me despedindo delas, amanhã novas aparecerão no caminho. Tão boas quanto, podendo me ensinar algo a mais. Mas para quem está do outro lado, e não está acostumado a uma pessoa de fora entrar em sua vida repentinamente, essa despedida fica mais difícil. E neste caso, há uma das partes boas da tecnologia, que permite se manter o contato de alguma forma, mesmo à distância.

 

Conexões

FOTO – Pipe e Isa em Aracaju

 

Essa forma intensa que aprendi a lidar com as relações que me aparecem, me fizeram valorizar cada vez mais as reais conexões. Conexões essas que são raras e, ao meu ver, uma das coisas mais belas da vida. Acho que conexões são criadas por uma série de fatores. Mas para mim, a principal está relacionada aos interesses mútuos. As energias se baterem. Ambas pessoas estarem na mesma frequência, naquele exato momento de suas vidas. Para mim, felicidade é estar de bem consigo mesmo. Assim, criamos a principal conexão de todas, a com nós mesmos. Estando conectados com o nosso ser, automaticamente nos conectamos com o resto do universo e com outras pessoas. E tudo flui magicamente.

Entrando mais nas conexões amorosas que fiz em minha viagem, tive algumas. Para o tempo de sobra que tenho diariamente, considero que foram poucas. Um pouco porque eu sempre fui meio bobão no quesito iniciativa. Segundo, porque ao longo de minha jornada, meu interesse pelas belezas externas de uma mulher cada vez mais eram substituídos pelo interesse de suas belezas interiores. Inclusive, comecei a entender mais a relatividade da beleza. Existem os padrões e estereótipos para isso, mas eles não são tudo. O que mais importa é a conexão. E quando se está aberto para ela, deixando de lado qualquer tipo de preconceito criado pela cultura esteticista que vivemos, o conceito de beleza deixa de existir. Claro que, ainda na estética, cada um de nós acaba tendo suas preferências e maiores atrações sexuais. Mas isso só potencializa ou não a conexão real. Penso que a conexão real é intangível. Invisível, incolor, inodora e inaudível. Ela simplesmente existe. E dessa intangível conexão parte todo o resto que é tangível. O olhar, o cheiro, o toque, o beijo, o sexo. A conexão dos sentidos ocorre. Tudo uma grande consequência. O que chamamos de paixão, acredito eu. É assim que vejo uma relação hoje. Mas para um passante que nem eu, isso fica mais difícil de ser criado. Justamente por todas essa intangibilidade. Mas aconteceu algumas vezes. E considero que todas foram mágicas. Umas mais, outras menos, mas todas muito especiais. Intensas e verdadeiras. Porém, em minha andanças no Goiás, umas delas se destacou. Por toda subjetividade do assunto, não sei direito o porquê, mas aconteceu. Um dos motivos que passei por mais de uma vez em Goiânia, cidade da Isadora.

 

Uma parceira de viagem

Isa estava se formando na faculdade e, no fim do ano (2021), estaria livre para escolher seu futuro. E, após algumas conversas, decidimos testar essa viagem juntos. O que mais nos movia era nossa forte conexão. Mas indo para um lado mais individual de cada um, eu queria experimentar esse estilo de vida com alguém do meu lado. Seria hipocrisia dizer que viajar assim não gera momentos de solidão. Eles existem. E ter uma companhia parecia ser interessante pra mim naquele momento. A companhia de alguém que eu tinha uma forte conexão. Já ela, sempre teve o sonho de um dia mochilar por aí. Mas infelizmente, no mundo em que vivemos, uma mulher sempre correrá mais riscos que um homem. E ela estaria comigo. Um homem que já tem a experiência da estrada. Ela queria e topou viver exatamente do jeito que eu vivia. Pegando caronas, dormindo com a barraca pelos cantos das cidades e tendo contatos com o povo brasileiro. Ambos sabíamos que, o que não faltava, eram motivos para tudo dar errado. Do meu lado, eu perderia uma liberdade gigantesca que criei. Estar andando só por aí, tem sim os lados ruins, mas a liberdade é o melhor dos pontos. Se faz o que quer, na hora que quer e da forma que quer. Com alguém do lado, as decisões tem que ser compartilhadas. Faz parte da vida em grupo. Além disso, eu já havia terminado um relacionamento maravilhoso (com minha ex namorada, antes de sair em viagem) justamente porque eu senti que precisava ficar sozinho para chegar às conclusões que precisava. Então, também havia esse ponto do meu lado. Do dela, se acostumar com esse estilo de vida doido que eu levava. Não é fácil. Enfim, haviam muitos riscos e conversamos a respeito disso. Entendemos que, de uma certa forma, apenas nossa conexão poderia manter nossa união na jornada. E assim, ela se juntou a mim no final do ano, quando eu já estava no nordeste do país. Mais precisamente, no estado do Sergipe.

 

FOTO – Em Canudos, sertão baiano

 

Nordeste, voltei

Antes de ir ao Sergipe, tive uma breve passagem pelo sertão pernambucano e baiano. Dou destaque para a cidade de Canudos. Local recheado de histórias e belezas naturais. E um povo que me recebeu de braços abertos. Por lá, dois guias da cidade que consegui contato me levaram ‘no amor’ para ver a revoada das araras azuis pelo amanhecer, em um cenário surreal de lindo. E por lá ainda tive a experiência de dormir uma noite dentro da prefeitura da cidade. Fiquei amigo do secretário de turismo que me deixou com a chave de lá no final de semana. Coisas de Bahia.

Isa chegou de avião na capital sergipana, Aracaju, onde nos encontramos. Por lá ficamos na casa de uma amiga minha, que nos recebeu por 10 dias em sua casa. Além de conhecer e desbravar essa simpática capital, participamos de uma ação social na noite do natal, onde ajudamos a fazer e distribuir alimento para os moradores de rua. Eu nunca havia participado de algo parecido. Foi uma experiência sensacional. O que mais aprendi nesse dia foi relacionado a mim mesmo. Fizemos centenas de marmitas e, a noite, fomos nos pontos onde moradores de rua normalmente ficavam para distribuí-las. O discurso dos organizadores da ação (moradores de Aracaju) era de tentar manter a distância dos desabrigados, por questões de segurança, e não carregar consigo objetos de valores. Quando ouvi essas instruções, aquilo me soou meio estranho. Não entendia porque esse receio todo. Na hora das entregas, os outros voluntários mal se afastavam dos carros. Notoriamente, com medo. Evitando algum risco maior. Mas eu não via risco em nada. Eram moradores de rua. Seres humanos como qualquer um. Necessitados de alimento mas, principalmente, de atenção. Foi quando me tornei um rebelde do grupo e comecei a interagir mais diretamente com eles. Ia no meio deles para dar um refrigerante e já conversava, dava um abraço, falava coisas bonitas. O olhar deles para isso era outro. Comida eles já estavam acostumados a receber, atenção não. Foi muito gratificante. Quando disse que nessa ação aprendi sobre mim, é porque eu vi como eu já estava acostumado a estar no meio de pessoa miseráveis (financeiramente falando). Em boa parte da minha jornada, esses eram meus amigos. Me fez reforçar que eu estava no caminho certo. E que, para quebrar algum preconceito, nada melhor do que a prática. A teoria ajuda, mas o preconceito só é quebrado mesmo no dia a dia. Não estou de forma alguma julgando a atitude dos outros voluntários. Primeiro porque todos já estavam abdicando de sua noite de natal para ajudar alguém. Segundo, porque, me imaginando antes de minha viagem, eu teria o mesmo medo, senão pior. Também não quero dizer que sou melhor do que ninguém. Apenas traço o comparativo para mostrar que minha visão de mundo mudava cada mês mais e, ao meu ver, para melhor. E deixo a reflexão para que todos possam experimentar na prática aquilo que julgamos ter medo. Só assim que superamos as barreiras.

Na semana que vem eu conto como foi o período em que fiquei com minha nova companhia pelo litoral e sertão nordestino. Até lá!


Publicado em: Turismo






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