Dom Pedro I, afinal, pernoitou ou não pernoitou em Torres? (parte 2 – sono bifásico)

'Antes de de seguir nas minhas conclusões sobre a passagem de Dom Pedro I e sua pernoite em Torres, vou falar sobre o antigo costume dos sonos noturnos que é base para minha argumentação posterior'.

28 de junho de 2022

Continuando a história da semana passada…

Não tenho a intenção de ser historiador (deixo o papel para quem estudou para isso), meu papel aqui é de cronista e, quando encontro uma boa história, dou o meu pitaco.

Antes de seguir nas minhas conclusões sobre a passagem de Dom Pedro I e sua pernoite em Torres, vou falar sobre o antigo costume dos sonos noturnos que é base para minha argumentação posterior.

Em seu livro At Day’s Close: Night in Times Past  (No encerramento do dia: a história das horas noturnas, em tradução livre),  R. Roger Ekirch, professor de história da Universidade de Virginia Tech, nos Estados Unidos, desenterra mais de 500 referências a um padrão de sono segmentado – em diários, registros judiciais, livros médicos e literatura, da Odisseia de Homero a um relato antropológico de tribos modernas na Nigéria. Essas referências descrevem um primeiro sono que começa cerca de duas horas após o anoitecer, seguido por um período de vigília de uma ou duas horas e depois um segundo sono.

O historiador Roger Ekirch, em 1990, estava pesquisando para escrever o livro já citado e, naquela época, buscava registros do período entre o início da Idade Média e a Revolução Industrial. Ele havia descoberto que os depoimentos judiciais são muito esclarecedores, “Eles comentam sobre atividades muitas vezes não relacionadas ao crime propriamente dito.” Ao ler o depoimento, ele encontrou duas palavras que nunca havia visto antes, mas que pareciam retratar um detalhe particularmente intrigante da vida no século 17: “primeiro sono”. Esse ponto estranho do testemunho de Jane Rowth o impressionou, pois, o sono interrompido era indicado como sendo algo comum e totalmente sem importância. A existência de um primeiro sono indica que havia também um segundo sono – uma noite dividida em duas metades. Era apenas um hábito familiar ou haveria algo mais, além disso? Pelos meses que se seguiram, Ekirch vasculhou os arquivos e encontrou muitas outras referências sobre esse fenômeno misterioso do duplo sono, ou “sono bifásico”, como ele viria a denominá-lo.

De acordo com Ekirch, no século 17 a noite de sono começava entre 21h e 23h, que era quando as pessoas começavam a se ajeitar para dormir. Esse primeiro sono durava aproximadamente duas horas. A partir daí as pessoas acordavam desse sono inicial e faziam alguma atividade por cerca de duas horas ou pouco mais. Interessante dizer que as pessoas acordavam de forma totalmente natural, da mesma forma que faziam pela manhã, não haviam inventado ainda o despertador (1787).

O período acordado era chamado de “vigília” e era um intervalo surpreendentemente útil para realizar tarefas. “[Os registros] descrevem que as pessoas faziam quase de tudo depois que acordavam do primeiro sono”, relata Ekirch. Para os camponeses, acordar significava voltar ao trabalho mais sério – seja sair para vistoriar os animais de criação ou realizar tarefas domésticas, como remendar roupas, pentear lã ou descascar os juncos a serem queimados.

Depois da atividade as pessoas iam novamente dormir, esse segundo período era considerado o sono “da manhã” e poderia durar até amanhecer ou mais.

Ekirch, em suas pesquisas, descobriu que o sono bifásico não era exclusividade da Inglaterra, ele era praticado em todo o mundo pré-industrial, na França, na Itália, e até em locais distantes como a África, sul e sudeste asiático, Austrália, Oriente Médio e no Brasil.

Essa é uma história bem interessante sobre o sono. Certamente muita gente a desconhece, mas, como evidenciado na pesquisa do autor, ela também existia aqui pelos trópicos.

Continua na próxima semana…

 

Fonte: https://www.bbc.com/news/magazine-16964783.




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