OPINIÃO – Os evangélicos e o poder

Projeta-se para a próxima década um número maior de cristãos evangélicos no Brasil do que católicos fiéis a Igreja de Roma (que sempre foram maioria no Brasil, historicamente).

26 de janeiro de 2024

O Brasil sempre foi considerado um país eminentemente católico e a Igreja de Roma teve um papel estratégico na formação do país desde que Pedro Alvares Cabral chegou à nossa praia e mandou rezar a primeira missa. Curiosamente, não portava nem deixou, na ocasião, o marco oficial da posse lusitana sobre o novo território. Ficamos à mercê da cruz…Não obstante, um dos primeiros Atos do Mal. Deodoro, na Proclamação República, foi a decretação da separação da Igreja do Estado, fruto da formação positivista, anticlerical dos militares republicanos. Na Constituição de 1988, consagramos esta separação e afirmamos que todas as confissões serão igualmente respeitadas, à vista não só de princípios liberais, como também pelo fato de que já naquele ano eram reconhecidas as diversas origens etnoculturais conformadoras da Nação, cada qual com suas raízes religiosas próprias. Já era perceptível, também, o avanço das igrejas evangélicas neopentecostais que iriam provocar um grande divisão entre os cristãos brasileiros.

Projeta-se para a próxima década um número maior de cristãos evangélicos no Brasil do que católicos fiéis a Igreja de Roma. Esta divisão trouxe, também, um processo de reconhecimento oficial das datas evangélicas, em muitos Estados já convertidas em feriado. Junto a este processo cresceu também a presença dos evangélicos na vida nacional, onde um projeto de Poder, mercê da imensa capacidade de mobilização dos suas confissões, acabaria levando os evangélicos a importantes cargos públicos eletivos. Até um Ministro do Supremo seria escolhido por um Presidente por ser “tremendamente evangélico”. Suas reivindicações, via de regra, se chocam, entretanto, com a Agenda liberal e identitária de setores da esquerda, colocando-os numa linha de forte resistência a questões como casamento homoafetivo, aborto e outras medidas próprias da afirmação identitária das últimas décadas. O resultado foi um fortalecimento muito grande, nos últimos anos, dos Partidos conservadores alimentados por evangélicos, cujo resultado se expressa numa denominada Bancada da Bíblia no Congresso Nacional, com cerca de 200 evangélicos, constituindo um dos elementos da polarização ideológica persistente.

Atento a isso, o Presidente Lula tem procurado uma aproximação com a comunidade evangélica, a qual não se confunde com a Bancada da Bíblia. São movimentos paralelos, mas não vinculados. Pesquisa recente do IPEC demonstra que isso vem dando resultados positivos a Lula. A aprovação ao seu Governo vem aumentando entre evangélicos, enquanto a dos católicos vem diminuindo. Uma das razões, sujeita a confirmação, seria o fato de que a grande maioria dos evangélicos são de classe de renda mais baixa, justamente a que tende a apoiar Lula em razão de sua Agenda Social.

“Dados da pesquisa IPEC divulgada nesta sexta-feira (9) mostram que o governo Lula recuperou parte da avaliação positiva entre o eleitorado evangélico. A pesquisa foi contratada pelo jornal O Globo. O percentual dos evangélicos que consideram o governo bom ou ótimo era de 31% em março, recuou para 24% em abril e agora, em junho, foi para 29%. Ainda entre os evangélicos, 34% avaliam o governo como ruim ou péssimo. Em abril, eram 35%. Os que consideram a gestão Lula regular são 33%. Em abril, eram 35%.

Agora, porém, surge um fato novo: O Tribunal de Contas da União constatou irregularidades na concessão de isenção do Imposto de Renda aos religiosos, no calor da campanha eleitoral do ano passado, medida que não seguiu os trâmites legais, levando a Receita Federal a suspender a referida isenção. Diante disso a Bancada Evangélica protestou com veemência numa Nota contra o que considera uma perseguição aos “cristãos”, sem considerar o fato de que dita isenção foi irregular, com perda de R$ 300 milhões ao Fisco. De resto, foi uma medida extensiva a todos os oficiantes de cultos de todas as confissões. A nota pretende, também, uma exclusividade dos evangélicos sobre a imagem de Cristo, o que não corresponde à verdade. Há muitas confissões que têm em Cristo referência fundamental. Aliás, entre os evangélicos, em algumas igrejas neopentecostais, como Universal, por influência americana,  cada vez mais ligada a Israel, há uma crescente inclinação para o Velho Testamento sobre os Evangelhos (Novo Testamento), este, sim, o marco propriamente cristão desta vertente monoteísta. Não por acaso, alguns pastores da Universal usam o famoso quipá, típico dos judeus.

A questão da isenção do IR e a reação da bancada evangélica exigirão, agora, nova ofensiva de Lula na tentativa de conseguir maior aproximação com os evangélicos. O ponto de partida será, talvez, mais o recurso à comunidade, através de suas várias lideranças, do que à Bancada da Bíblia. Vejamos.




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